TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

54 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL – A este propósito, cabe igualmente recordar os trabalhos da Comissão do Domínio Público Marí- timo, «que concluiu pela impossibilidade de transferência para as regiões autónomas de “poderes primários” sobre o domínio público marítimo (que é um domínio público necessário), admitindo a transferência de “poderes secundários” fundamentalmente associados à atribuição de direitos de uso privativo (aproveitamento) – cfr. Parecer da Comissão do Domínio Público Marítimo n.º 5945, in Boletim da Comissão do Domínio Público Marítimo, n.º 116, 2002. – Ora, no âmbito do ordenamento do território e do urbanismo, a distinção entre poderes “primá- rios” e “secundários” deu origem a dois regimes jurídicos distintos: «o regime jurídico dos instru- mentos de programação e planeamento territorial (ligado à decisão sobre a distribuição das funções no território e sobre a ocupação do solo) e o regime jurídico da urbanização e da edificação (ligado à execução das decisões de programação e planeamento, através da atividade de gestão urbanística). Este exemplo (que se situa num plano semelhante ao do ordenamento do espaço marítimo) eviden- cia o facto de os poderes de ordenamento, programação e planeamento assumirem natureza distinta da dos poderes de administração ou gestão dos bens e suas utilidades (pré-definidas). Estando indis- sociavelmente ligados à conformação destas utilidades, os poderes de ordenamento do território não são, assim, poderes meramente instrumentais ou de mera gestão, mas antes poderes principais que expressam opções básicas e essenciais para a vida da comunidade. – Tendo em conta o comando constitucional e o disposto do artigo 8.º do EPARAA, o Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, densificou, pela primeira vez, o conceito de gestão partilhada apli- cada ao domínio público marítimo. Os princípios em que se baseia o diploma são os seguintes: – Os poderes de decisão quanto ao ordenamento, programação e planeamento das utilidades públicas associadas ao espaço marítimo nacional constituem poderes primários indispensáveis à garantia da subsistência do domínio, razão pela qual não podem ser transmitidos a órgãos de qualquer outra pessoa coletiva pública, para além do Estado. Do mesmo modo, os poderes de gestão incindíveis do exercício de poderes primários não podem também ser transmitidos a terceiros, já que uns dependem dos outros. – Os poderes instrumentais de gestão dos bens do domínio público marítimo adjacentes à Região Autónoma dos Açores devem ser objeto de um exercício conjunto no quadro de uma gestão partilhada, assegurando a existência de mecanismos institucionais que permitam a ocor- rência de fluxos de comunicação e manifestação de vontade. Os mecanismos institucionais destinados a concretizar o conceito difuso de “exercício conjunto no quadro de uma gestão partilhada” podem variar em função das matérias concretas e dos objetivos específicos, con- quanto assegurem a possibilidade de uma real e efetiva ponderação da vontade dos órgãos da República e dos órgãos da Região. É que, ao contrário do pensamento subjacente ao pedido, os n. os 1 e 3 do artigo 8.º dos EPARAA não impõem o estabelecimento de mecanismos de codecisão relativamente aos poderes abrangidos pelo exercício conjunto no quadro de uma gestão partilhada. – Deste modo, os poderes relativos à aprovação dos planos de situação e de afetação são poderes exclusivos do Estado que, pela sua natureza, escapam à qualificação como poderes de gestão ins- trumental dominial. Ao invés, constituem um poder essencial para salvaguardar a dominialidade do espaço marítimo nacional e, consequentemente, a sua titularidade pelo Estado. Ora, não inte- grando o âmbito dos “poderes de gestão”, não se encontram sujeitos a um “exercício conjunto no quadro de uma gestão partilhada”, por força dos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA. Neste contexto, é entendimento do Governo não lhe ser permitido proceder à transmissão, delegação ou alienação dos poderes de decisão quanto ao ordenamento dos usos e atividades no espaço marítimo nacional, e que devem contribuir para (ou pelo menos não pôr em causa) a manutenção das utili- dades públicas que justificam a dominialidade (necessária) do bem.

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