TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
525 acórdão n.º 193/16 OTribunal Constitucional vem reiteradamente afirmando o carácter ou função instrumental dos recur- sos de fiscalização concreta: só há interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto, implicando a respetiva reponderação pelo tribunal a quo (cfr. Car- los Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucio- nal, Almedina, Coimbra, 2010, p 52). A utilidade do julgamento do presente recurso estaria em causa, na medida em que, independentemente do sentido da sua decisão, o acórdão recorrido (e, bem assim, os que conheceram das suas nulidades) teria de ser modificado por força da aludida decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Contudo, a situação processual criada não é linear, sendo a segurança jurídica do que vier a ser decidido – em especial a definitividade da decisão – e a celeridade com que tal segurança venha a ser alcançada inte- resses fundamentais a considerar num caso como o que está subjacente aos presentes autos. 9. Recorde-se que o processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo é de jurisdição voluntária e decidido, na sequência de debate judicial, pelo tribunal composto por um juiz, que preside, e por dois juízes sociais; acresce que a medida aqui em causa – confiança a instituição com vista a adoção – não está sujeita a revisão pelo próprio tribunal, salvo, a título excecional, em casos de manifesta inviabilidade da sua execução (artigos 62.º-A, n. os 1, in fine , e 2, 100.º, 114.º, 115.º e 120.º, todos da LPCJP; sobre a não inconstitucionalidade da proibição da revisão, para efeitos de reapreciação da conduta e condições supervenientes dos progenitores, da medida de confiança com vista a futura adoção prevista no artigo 62.º-A, na sua redação originária, i. e. , da Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, vide o Acór- dão n.º 416/11). Por outro lado, e como referido, tanto no caso do Tribunal da Relação de Lisboa como no caso do Supremo Tribunal de Justiça, proferida a decisão do recurso de apelação e do recurso de revista, ficou esgotado o respetivo poder jurisdicional quanto à matéria da causa. Assim, a execução imediata ou direta da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem teria de passar por um – ou dois, atenta a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das resoluções proferi- das em sede de jurisdição voluntária segundo critérios de conveniência ou oportunidade estatuída no artigo 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – recurso de revisão, conforme previsto no artigo 696.º, alínea f ) , do citado Código. Nos termos de tal preceito, uma decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão «quando seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português» [itálico aditado; vide também o artigo 697.º, n.º 2, alínea b) , do mesmo normativo]. Sucede que nem as decisões daqueles dois tribunais superiores nacionais transitaram em julgado nem a decisão de 16 de fevereiro de 2016 do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é definitiva. Na verdade, os dois principais acórdãos internos a considerar – o de 27 de março de 2014, da Relação de Lisboa, e o de 28 de maio de 2015, do Supremo Tribunal de Justiça – foram ambos impugnados por via de recurso e, consequentemente, ainda podem vir a ser reformados. Na ordem jurídica portuguesa, a noção de trânsito em julgado referida no artigo 628.º do Código de Processo Civil (CPC) tem de ser articulada com os artigos 280.º da Constituição (CRP) e 80.º da LTC. E, claro está, a adoção de um conceito funcional – e não simplesmente formal – de norma jurídica para recortar o objeto do recurso de constitucionalidade reforça objetivamente aquela possibilidade. Deste modo, tal como interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no acórdão Soares de Melo c. Portugal , o conceito de decisão interna definitiva previsto no artigo 35.º, n.º 1, da CEDH ter-se-á possivelmente reportado, no tocante às «resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade» referidas no artigo 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de março de 2014, ou porventura à pronúncia desse tribunal que, em 22 de janeiro de 2015, indeferiu as nulidades entretanto arguidas; e, quanto às ques- tões de legalidade, ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2015, ou porventura à
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