TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
517 acórdão n.º 193/16 alegações e da prova indicadas pelo Ministério Público na sequência da apresentação de um pedido de consulta dos autos. […] 36. Verificando-se, ainda, a inconstitucionalidade material da interpretação do princípio do dever de boa-fé processual, acolhido no artigo 266.º-A do CPC na versão então aplicável e, atualmente, previsto no artigo 8.º do CPC, nos termos do qual os progenitores não representados por mandatário judicial, ficam impedidos de poder arguir, em sede de recurso, com êxito, a falta de notificação das alegações e dos meios de prova apresentados pelo Ministério Público, caso hajam requerido e lhes haja sido deferido o acesso aos autos (não existindo comprovativo nos autos da efetivação de tal consulta). […] 40. Tal interpretação desconsidera a vulnerabilidade da posição processual em que se encontram os progenito- res não assistidos por mandatário e é desconforme ao interesse público que o contraditório visa assegurar através da imposição no n.º 4 do artigo 114.º da LPCJP da obrigatoriedade da notificação aos progenitores das alegações e prova indicadas peio Ministério Público. 41. A interpretação perfilhada no acórdão sob recurso conduz a que, não obstante a gravidade da matéria em causa e tratando-se de decisão irreversível e restritiva de direitos fundamentais, caiba aos recorrentes o ónus de zelarem pelo efetivo cumprimento do contraditório, ficando o julgador demitido desse dever, […] 43. Pelos motivos acima já descritos, também o entendimento de que as intervenções posteriores dos recorren- tes, em sede de recurso da decisão proferida pela 1.ª instância, tem o efeito de sanar eventuais vícios preexistentes, como a falta de cota nos autos da efetivação da consulta capaz de suportar a presunção de que a consulta aos autos teve efetivamente lugar, viola o direito à tutela jurisdicional efetiva e o processo equitativo consagrados no artigo 20.º da CRP. 44. Deve ser assim declarada a inconstitucionalidade material das normas conjugadas dos artigos 615.º, n. os 1 e 4, e 617.º, n.º 6, do CPC, e 114.º, n.º 4, da LPCJP, interpretadas e aplicadas no sentido de a intervenção dos progenitores em sede de reclamação e recursos interpostos da decisão proferida em processo de promoção e prote- ção em que está em causa a aplicação da medida de confiança de um ou mais dos seus filhos menores a pessoa para adoção, ou a instituição com vista a futura adoção, ter o efeito de sanar a falta de notificação das alegações e dos meios de prova oferecidos pelo MP em momento anterior à decisão da ia instância. 45. Mais deve ser declarada a inconstitucionalidade material das normas conjugadas dos artigos 615.º, n. os 1 e 4, e 617.º, n.º 6, do CPC interpretadas e aplicadas no sentido de dispensar o tribunal, em sede de decisão sobre as nulidades arguidas ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 615.º do CPC, de fundamentar de facto a afirmação de que, em processo de promoção e proteção em que está em causa a confiança de menores a instituição com vista a futura adoção, cada um dos progenitores requereu a consulta do processo e teve efetivo acesso às alegações do MP e aos meios de prova por este oferecidos. […] 47. [T]al interpretação é materialmente inconstitucional por violação direta do artigo 205.º da CRP, e, ainda, do direito à tutela jurisdicional efetiva e do direito ao processo equitativo consagrados no texto constitucional. 48. Deve, ainda, ser declarada a inconstitucionalidade material das normas dos artigos 35.º, n.º 1, alíneas d) e g) , 45.º e 55.º, n.º 2, da LPCJP interpretadas e aplicadas no sentido de que o incumprimento da realização de ato médico de laqueação das trompas da progenitora pode relevar, mesmo instrumentalmente, para efeitos da aplicação da medida de confiança dos seus filhos menores a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção. 49. Tal interpretação viola frontalmente o princípio do livre desenvolvimento da personalidade, bem como o direito a constituir família, previstos nos artigos 18.º, n.º 2, 26.º e 36.º da Constituição e ainda o artigo 8.º da CEDH. […]
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