TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
491 acórdão n.º 189/16 efetiva – importa notar que tanto a doutrina (cfr., por todos, Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª edição, Wolters Kluwer, Coimbra Editora, 2010, p. 304) bem como a juris- prudência deste Tribunal têm considerado este direito como análogo a um direito, liberdade e garantia (cfr. Acórdão n.º 237/90 de 3 de julho de 1990, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos ) e que é igualmente pacífico que o regime jurídico material e orgânico dos direitos, liberdades e garantias se deve aplicar ao direito de acesso à justiça (ainda que este mesmo consenso não se verifique em relação a todos os direitos análogos: cfr. Jorge Miranda / Rui Medeiros, op. cit. , p. 308). Partindo destes pressupostos, a matéria em causa deve ser regulada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado, por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, e, além disso, ainda deve respeitar a reserva de lei, constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Vejamos: A lei que regula na atualidade a matéria das custas judiciais é o Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais, o qual estabelece, no caso da conta de custas, os termos da possibilidade de reforma e reclamação no seu artigo 31.º Em matéria de reforma e reclamação da conta de custas, este preceito não prevê hoje qualquer condi- cionamento, contrariamente ao que sucedia no passado. Constituindo as custas de parte matéria dependente da disciplina da conta de custas (artigo 26.º do RCP), verifica-se que a Portaria n.º 82/2012 veio com a exigência do depósito da totalidade da conta de custas de parte constituir ex novo uma condicionante do acesso ao direito. O legislador pode, todavia, remeter para portaria a regulamentação de aspetos não restritivos de direi- tos, liberdades e garantias ou, eventualmente, outros aspetos desde que sejam suficientemente balizados pela respetiva lei habilitante. Porém, no que concerne à norma em análise no presente caso, não apenas o RCP nada diz quanto à possibilidade de reclamação das custas de parte, como nem sequer consagra expressamente qualquer remissão de regulamentação para portaria, como fazem, por exemplo, os artigos 29.º, n.º 3, e 30, n.º 3, do RCP, no respeitante a outros aspetos da conta de custas. Com efeito, além do artigo 4.º, n.º 7, e do entretanto revogado artigo 22.º, n. os 5 e 10, ambos do RCP, o legislador apresenta como habilitação da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, o artigo 29.º, n.º 3, do RCP, de acordo com o qual “[a] elaboração e o processamento da conta são regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, podendo ser aprovadas outras formas de processamento e elaboração da mesma”; o artigo 30.º, n.º 3, do RCP, nos termos do qual “[a] conta é processada pela secretaria, através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”; o artigo 32.º, n.º 8, do RCP, à luz do qual “[a]s formas de pagamento de custas judiciais são regulamentadas por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”; e o artigo 39.º que estabelece que “[o] destino das custas processuais é fixado por portaria dos membros dos Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”. Ora, de nenhuma destas normas decorre qualquer habilitação específica que possibilite a regulamenta- ção da matéria das custas de parte, que, aliás, aparece incluída no Capítulo IV do Título II do RCP, ou seja, num Capítulo e Título diferentes daquele em que é regulada a matéria da conta de custas. Mais: no Capítulo IV relativo às custas de parte inexiste qualquer remissão para portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, tal como acontece nos demais casos mencionados. Em todo o caso, mesmo que existisse uma mera habilitação por remissão para portaria da matéria rela- tiva ao recurso das custas de parte, sem que houvesse qualquer tratamento da matéria por lei – como acontece no caso da conta de custas –, tendo em conta que estamos perante uma restrição ao direito fundamental de acesso ao direito, muito dificilmente se respeitaria a reserva de lei constitucionalmente imposta. Mas como não existe sequer tal habilitação expressa, a questão nem sequer se chega a colocar nos presentes autos.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=