TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
486 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL à tutela jurisdicional efetiva, tendo sido configurada como uma restrição por este Tribunal; afirmação que é perfeitamente compatível com a conclusão alcançada pelo Tribunal de que a norma contida no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação conferida pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, nos termos da qual a reclamação da nota justificativa das custas de parte está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota não violava o princípio da proporcionalidade, e, nessa medida, não era materialmente inconstitucional; questão diversa é a de saber se existe uma obrigação constitucionalmente imposta de regulação da matéria em causa por lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado, a qual convoca outros parâmetros constitucionais – formais e orgânicos – podendo conduzir a uma conclusão no sentido da inconstitucionalidade. IV – Possuindo a matéria respeitante à reclamação da nota justificativa das custas de parte uma natureza restritiva de um direito fundamental – o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva – tanto a doutrina como a jurisprudência deste Tribunal têm considerado este direito como análogo a um direito, liberdade e garantia, sendo igualmente pacífico que o regime jurídico material e orgânico dos direitos, liberdades e garantias se deve aplicar ao direito de acesso à justiça; partindo destes pres- supostos, a matéria em causa deve ser regulada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado, por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, e, além disso, ainda deve respeitar a reserva de lei, constante do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. V – A matéria das custas judiciais é regulada pelo Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais, o qual, em matéria de reforma e reclamação da conta de custas, não prevê hoje qualquer condicionamento, contrariamente ao que sucedia no passado; constituindo as custas de parte matéria dependente da disciplina da conta de custas, verifica-se que a Portaria n.º 82/2012 veio com a exi- gência do depósito da totalidade da conta de custas de parte constituir ex novo uma condicionante do acesso ao direito. VI – Embora o legislador possa remeter para portaria a regulamentação de aspetos não restritivos de direi- tos, liberdades e garantias ou, eventualmente, outros aspetos desde que sejam suficientemente baliza- dos pela respetiva lei habilitante, no caso da norma em análise, não apenas o Regulamento das Custas Processuais nada diz quanto à possibilidade de reclamação das custas de parte, como nem sequer consagra expressamente qualquer remissão de regulamentação para portaria, no respeitante a outros aspetos da conta de custas, dele não decorrente qualquer habilitação específica que possibilite a regu- lamentação da matéria das custas de parte; e mesmo que existisse uma mera habilitação por remissão para portaria da matéria relativa ao recurso das custas de parte, sem que houvesse qualquer tratamento da matéria por lei – como acontece no caso da conta de custas –, tendo em conta que estamos perante uma restrição ao direito fundamental de acesso ao direito, muito dificilmente se respeitaria a reserva de lei constitucionalmente imposta. VII – Em suma, tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por portaria e, mais concretamente, que se impôs o depósito da totalidade das custas de parte para se poder reclamar da nota justificativa apresentada, estando em causa uma restrição ao direito funda- mental ao acesso ao direito e não existindo uma habilitação específica para o efeito no RCP nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucio- nalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
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