TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

482 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 14. Relativamente aos tribunais arbitrais tributários, a comparação não apenas impressiona, como as suas consequências são inaceitáveis. É que se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem dei- xar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco. Na verdade, a matéria tributária situa-se no âmago das atribuições do Estado, nela se evidenciando a necessária prossecução de interesses públicos absolutamente essenciais a uma comunidade politicamente organizada, razão que levou a CRP, no n.º 1 do artigo 103.º, a estatuir que «o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado». Se não for possível sindicar judicialmente a decisão de um tribunal arbitral tributário que, à revelia do quadro regulamentar estabelecido, se considere competente numa certa matéria, então tal significará que não existe nenhuma forma de assegurar que funções tributárias que o Estado deve exercer não lhe serão “confiscadas”, sem controlo por um tribunal do Estado. Decorrente desta circunstância, a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particula- ridades que justificam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral. Por um lado, a competência dos tribunais arbitrais tributários depende de um ato administrativo, prati- cado sob forma de portaria, pelos membros do Governo indicados no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. Quer isto dizer que o legislador se absteve de regular a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, reme- tendo tal regulamentação para o Governo, que a exercerá dentro do quadro legal, norteado, seguramente, por razões de oportunidade e conveniência. Por outro lado, acentuando as implicações jurídico-públicas da arbitragem tributária, note-se que a Lei de Arbitragem Tributária, no seu artigo 29.º, exclui do direito subsidiário aplicável as normas Lei da Arbi- tragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro), preferindo-lhes, significativamente, para além do Código de Processo Civil, normas de diplomas claramente ligados à atividade administrativa e tributária. Julga-se acertado considerar que a interpretação normativa contestada pelo recorrente, tornando judi- cialmente irrefutável uma decisão do tribunal arbitral sobre a sua competência, constitui limitação injustifi- cada da reapreciação da decisão arbitral. Por outras palavras: a alegada incompetência do tribunal arbitral não pode deixar de se considerar coberta pela expressão «pronúncia indevida»; na interpretação normativa oposta, adotada na decisão recor- rida, terá ocorrido ofensa daqueles preceitos da Constituição. 15. Mas a recorrente invoca ainda outra ofensa constitucional, originada pela interpretação normativa supra apreciada, indicando como parâmetros «o princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e o artigo 266.º, n.º 2, do mesmo diploma, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.» Não é fácil desvendar o sentido desta argumentação do recorrente: estando em causa uma decisão do Tribunal Central Administrativo Sul assente na interpretação de uma proposição normativa de que resulta a impossibilidade de refutar a decisão arbitral junto de um tribunal do Estado, em que medida poderá tal decisão ter ofendido o princípio da legalidade tributária, que assenta naqueles comandos constitucionais? Note-se que não se encontra qualquer explicitação de tal ofensa no recurso de constitucionalidade, que se concentra na questão da omissão de pronúncia e na concomitante alegada violação do artigo 20.º da CRP, mas nada explicita sobre a hipotética violação do princípio da legalidade tributária (fls. 257-258). De resto, também a decisão recorrida é omissa quanto a tal violação, concentrando-se na suposta omissão de pronún- cia e na violação, assim corporizada, do direito de acesso à justiça (fls. 244 a 249). Podemos apenas supor uma explicação (pouco) plausível: na medida em que recusou apreciar a impug- nação, o tribunal recorrido teria dado implicitamente cobertura a uma atuação do tribunal arbitral violadora

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