TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
481 acórdão n.º 177/16 Já Jorge Miranda e Rui Medeiros revelam dúvidas: muito embora reconhecendo que, fora dos domínios específicos do processo penal e das decisões judiciais que restrinjam direitos, liberdades e garantias e direitos fundamentais de natureza análoga, «o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade de conformação do direito ao recurso», não deixam de referir que, sendo constitucionalmente exigível um sistema que garanta os interessados contra os próprios atos jurisdicionais, é possível «fundar constitucionalmente um genérico direito de recorrer das decisões jurisdicionais.» ( Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coim- bra, 2010, pp. 451-452). No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa encontra no texto constitucional uma «consagração implícita» do direito ao recurso ( Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, Lex , 1997, p. 377). Seja como for, considerada a jurisprudência deste Tribunal, é de dar como assente que não se encontra constitucionalmente garantido, com base no artigo 20.º da CRP e em termos gerais, um direito ao duplo grau de jurisdição. 12. Mas a argumentação do recorrente inclui um ponto que pode levar a considerar como imposição constitucional, no caso sub judice , um duplo grau de jurisdição. Trata-se da referência a que, a não ser admi- tida a impugnação da decisão arbitral junto de um tribunal administrativo, então o tribunal arbitral teria a única e decisiva palavra na determinação da sua própria competência, já que nenhum tribunal do Estado a poderia reapreciar. Poder-se-ia, sem demasiado esforço, encontrar neste argumento a emersão de um preconceito atávico relativo aos tribunais arbitrais: afinal, o Estado nunca manifestou grande entusiasmo em submeter a arbitra- gem os pleitos em que se encontra envolvido. Somente o fez em matérias em que os seus tribunais vinham demonstrando evidentes dificuldades em assegurar uma justiça célere. De resto, durante muito tempo, pai- raram dúvidas sobre a verdadeira natureza dos tribunais arbitrais, dúvidas que apenas foram esclarecidas na atual redação do texto constitucional, quando se incluíram expressamente os tribunais arbitrais entre as «categorias de tribunais» (artigo 209.º, n.º 2). Nenhuma dúvida subsiste hoje sobre a natureza dos tribunais arbitrais: são verdadeiros tribunais, muito embora não tribunais do Estado. São a consequência da perda por este do monopólio da justiça. E, por fim, dispor de competência para decidir da sua própria competência constitui prerrogativa de qualquer tribunal arbitral. 13. Nestas condições, o argumento do recorrente seria improcedente, pois nenhuma razão existiria, no plano da respetiva natureza, para distinguir os tribunais arbitrais dos tribunais do Estado – sobretudo quando, como é o caso, aqueles julgam de acordo com o direito constituído, estando-lhes interdito o julga- mento segundo a equidade (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT). Todavia, subsiste um aspeto a esclarecer, que não releva propriamente da natureza dos tribunais arbi- trais, mas antes da sua singularidade. Na verdade, cada tribunal arbitral é um tribunal único, no duplo sentido de tribunal ad hoc , constituído para decidir um determinado litígio e apenas este, e um tribunal desinserido de qualquer hierarquia judicial, constituindo como que uma primeira, última e única instância. Para além disso, é um tribunal desprovido de competência própria, julgando um litígio que, se ele não existisse, encontraria entre os tribunais do Estado o tribunal competente para o dirimir. Quando é proposta uma ação num tribunal de 1.ª instância da jurisdição comum ou da jurisdição administrativa, a decisão desse tribunal relativamente à sua competência material nunca é definitiva, dela cabendo sempre recurso – independentemente do valor da causa –, conducente à prolação de uma segunda decisão judicial [cfr. artigo 629.º, n.º 2, alínea a) , do Código de Processo Civil]. Não pode deixar de impressionar, comparativamente, que a decisão de um tribunal arbitral sobre a sua competência – que, repete-se, não é própria, antes subtraída a um tribunal do Estado, e se extingue no termo do processo arbitral – seja insuscetível de reapreciação por um outro tribunal.
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