TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

480 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sustentando que esta se verificará, não só quando o tribunal arbitral se ocupou de questões que não poderia conhecer, mas «também quando conheceu de questões de que podia conhecer, mas ultrapassando quaisquer limites legais a nível decisório». E acrescenta, louvando-se no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que cons- tituem situações de pronúncia indevida «aquelas em que o tribunal arbitral excedeu a sua competência» (cfr. Nuno de Vieira Villa-Lobos, op. cit. , pp. 235-236). Não é preciso ir mais longe para clarificar a questão. Não se trata, repete-se, de escolher a melhor inter- pretação possível para a expressão pronúncia indevida. Trata-se, sim, de, considerando que existem duas possibilidades interpretativas – uma, suscetível de abranger naquela expressão a questão da alegada incompe- tência do tribunal arbitral, outra, deixando de fora tal questão –, apurar se, tendo sido esta última a adotada na decisão recorrida, resultou daí ofensa de parâmetro constitucional relevante. Por outras palavras: a impossibilidade de utilizar a suposta incompetência do tribunal arbitral como fundamento da impugnação da decisão arbitral na jurisdição administrativa ofende algum comando ou princípio da Lei Fundamental, como sustenta o recorrente? 10. Vamos então confrontar a interpretação normativa adotada na decisão recorrida, coincidente com a da decisão arbitral, com os parâmetros constitucionais apontados pelo recorrente. Comecemos pela alegada ofensa do direito de acesso à justiça, garantido pelo artigo 20.º da Constitui- ção da República Portuguesa (CRP) – que é, de resto, o problema a que o recorrente atribui maior relevo. Segundo o recorrente, a ofensa de tal parâmetro residiria na circunstância de, ao recusar a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, se estar a impedir o controlo, por um tribunal do Estado, do respeito pelos limites traçados pela lei relativamente à competência dos tribunais arbitrais tributários, deixando ao próprio tribunal arbitral a primeira e última palavra sobre a sua própria competência. EsteTribunal já se pronunciou, múltiplas vezes, sobre o direito de acesso à justiça, interessando aqui conside- rar somente as decisões que tiveram por objeto um suposto direito ao duplo grau de jurisdição, ou seja, o direito a obter uma segunda decisão judicial sobre certo litígio. E, excluindo o domínio do processo penal – no âmbito do qual existe preceito constitucional específico, inscrito no n.º 1 do artigo 32.º –, tem julgado não consagrar a Lei Fundamental um direito genérico ao duplo grau de jurisdição. Assim, e por todos, no Acórdão n.º 280/15: «Contrariamente ao que sucede no processo criminal, domínio em que a Constituição, desde a revisão cons- titucional de 1997, consagra expressamente, como garantia de defesa do arguido, o direito ao recurso ou a um duplo grau de jurisdição (artigo 32.º, n.º 1) – direito que já antes vinha sendo reconhecido pela jurisprudência constitucional em relação à decisão final condenatória e todos os atos judiciais que tenham por efeito a privação ou restrição da liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido –, não existe na Lei Fundamental qualquer previsão expressa atributiva do correspondente direito às partes em processo civil. Com base nesse dado jurídico-constitucional, tem o Tribunal Constitucional concluído, em jurisprudência consolidada, pela inexistência, em processo civil (e, bem assim, em processo laboral e administrativo) de um direito geral a um duplo grau de jurisdição, considerando que «o direito à tutela jurisdicional não é (…) imperativamente referenciado a sucessivos graus de jurisdição. Ali se assegura apenas em termos absolutos, e num campo de estrita horizontalidade, o acesso aos tribunais para obter a decisão definitiva de um litígio» (Acórdão n.º 65/88) ou o “direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparciali- dade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (…)” (Acórdão n.º 638/98).» 11. A doutrina constitucionalista mais citada não tem posição uniforme nesta matéria. Gomes Canotilho e Vital Moreira pronunciam-se claramente no sentido da inexistência de um direito subjetivo ao duplo grau de jurisdição ( Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 418).

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