TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
479 acórdão n.º 177/16 Guia de Arbitragem Tributária, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 234-235; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 534-537]. Para se compreender o que está em causa neste alargamento concetual, é indispensável clarificar o sentido da pronúncia indevida. Recorde-se que, na tese do recorrente, o conceito de pronúncia indevida, constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, deve ser interpretado por forma a permitir a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral (neste sentido pode citar-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de junho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 06224/12, em cujo sumário se pode ler: «No conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que exce- deu a sua competência» (texto igualmente disponível na base de dados do IGFEJ). A não ser assim, sustenta o recorrente, seriam ofendidos diversos comandos constitucionais, a saber os que consagram o direito de acesso à justiça (artigo 20.º) e o princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º e 266.º, n.º 2). Naturalmente que aquilo que aqui interessa, consideradas a natureza da jurisdição constitucional e as competências deste Tribunal, não é apurar o maior ou menor acerto da interpretação atribuída àquele con- ceito na decisão recorrida, mas determinar se tal interpretação contende com os parâmetros constitucionais invocados (ou com outros). Seja como for, é útil para a compreensão do problema esclarecer o entendimento jurídico comum da expressão. 9. Tradicionalmente, a doutrina processualista civil utiliza o termo pronúncia para designar a decisão de um tribunal, no âmbito da sua competência, sobre uma questão que lhe foi submetida pelas partes. A conformação de tal pronúncia varia entre um limite mínimo e um limite máximo. O limite mínimo emerge do princípio inscrito no artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (dora- vante, “CPC”), que, como corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da heterotutela dos direitos, determina que «a todo o direito (…) corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo» (…). Se alguém é titular de um direito, haverá, em princípio, um tribunal competente para as pronúncias relativas à respetiva defesa. Se esta for pedida ao tribunal competente para a assegurar e este nada decidir, ou decidir insuficientemente, ocorre então omissão de pronúncia. O limite máximo, em processos cujo objeto está, por via de regra, na disponibilidade das partes – como sucede na maioria dos processos civis –, extrai-se do pedido do autor, naquilo que é a mais evidente manifesta- ção do princípio do dispositivo. Se o credor apenas reclama do tribunal uma parte do seu crédito, não pode este condenar o devedor na sua totalidade, pois incorreria naquilo que aquela mesma doutrina designa por excesso de pronúncia. O primeiro destes conceitos – a omissão de pronúncia – encontra-se inscrito na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT e constitui, diz-se neste comando, fundamento para a impugnação da decisão arbitral perante um tribunal central administrativo, que a pode, com base nele, anular. Já o excesso de pronúncia foi substituído, naquele mesmo preceito, pela expressão pronúncia indevida. À clarificação deste conceito convém que se apure se ele é sinónimo daquele outro e, caso o não seja, quais as diferenças de «sentido e alcance» entre ambos. A simples ponderação da ideia de excesso sugere quantidade. Trata-se de pronúncia “a mais”. Não admira, por isso, que o exemplo clássico seja aquele que se forneceu: a condenação do devedor em quantia superior à pedida pelo credor (abstraindo, evidentemente, dos juros que forem devidos). Não obstante, tam- bém existirá excesso de pronúncia se o tribunal condenar o réu em «objeto diverso do pedido» pelo autor [artigo 615.º, n.º 1, alínea e) , do Código de Processo Civil]. A autora citada noutro ponto, admitindo embora que a alegada incompetência do tribunal arbitral não constituiria vício de excesso de pronúncia, sustenta que a expressão pronúncia indevida teria um sentido mais amplo do que aquele outro conceito, explicando que os casos de incompetência do tribunal arbitral integrariam a pronúncia indevida (cfr. Carla Castelo Trindade, op. cit. , pp. 545-548). No mesmo sentido se manifesta o outro autor citado, coincidindo na defesa da maior extensão do conceito de pronúncia indevida,
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