TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
464 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – Quanto ao confronto da interpretação normativa adotada na decisão recorrida, coincidente com a da decisão arbitral, com o direito de acesso à justiça, é de acolher a jurisprudência deste Tribunal nessa matéria – interessando aqui considerar somente as decisões que tiveram por objeto um suposto direito ao duplo grau de jurisdição, ou seja, o direito a obter uma segunda decisão judicial sobre certo litígio –, que, excluindo o domínio do processo penal, no âmbito do qual existe preceito constitucional espe- cífico, tem julgado não consagrar a Lei Fundamental um direito genérico ao duplo grau de jurisdição. IV – Face à atual redação do texto constitucional, quando se incluíram expressamente os tribunais arbi- trais entre as «categorias de tribunais», nenhuma dúvida subsiste sobre a natureza dos tribunais arbi- trais: são verdadeiros tribunais, muito embora não tribunais do Estado, constituindo prerrogativa de qualquer tribunal arbitral dispor de competência para decidir da sua própria competência; nestas condições, o argumento do recorrente seria improcedente, pois nenhuma razão existiria, no plano da respetiva natureza, para distinguir os tribunais arbitrais dos tribunais do Estado – sobretudo quando, como é o caso, aqueles julgam de acordo com o direito constituído, estando-lhes interdito o julga- mento segundo a equidade; todavia, subsiste um aspeto a esclarecer, que não releva propriamente da natureza dos tribunais arbitrais, mas antes da sua singularidade. V – Na verdade, cada tribunal arbitral é um tribunal único, no duplo sentido de tribunal ad hoc , consti- tuído para decidir um determinado litígio e apenas este, e um tribunal desinserido de qualquer hierar- quia judicial, constituindo como que uma primeira, última e única instância; para além disso, é um tribunal desprovido de competência própria, julgando um litígio que, se ele não existisse, encontraria entre os tribunais do Estado o tribunal competente para o dirimir, pelo que não deixar de impressio- nar, comparativamente, que a decisão de um tribunal arbitral sobre a sua competência – que não é própria, antes subtraída a um tribunal do Estado, e se extingue no termo do processo arbitral – seja insuscetível de reapreciação por um outro tribunal. VI – E se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco. VII – A matéria tributária situa-se no âmago das atribuições do Estado, nela se evidenciando a necessária prossecução de interesses públicos absolutamente essenciais a uma comunidade politicamente organi- zada, pelo que, se não for possível sindicar judicialmente a decisão de um tribunal arbitral tributário que, à revelia do quadro regulamentar estabelecido, se considere competente numa certa matéria, então tal significará que não existe nenhuma forma de assegurar que funções tributárias que o Estado deve exercer não lhe serão “confiscadas”, sem controlo por um tribunal do Estado; decorrente desta circunstância, a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particularidades que justi- ficam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral. VIII– A interpretação normativa sub iudicio , tornando judicialmente irrefutável uma decisão do tribunal arbitral sobre a sua competência, constitui limitação injustificada da reapreciação da decisão arbitral; a alegada incompetência do tribunal arbitral não pode deixar de se considerar coberta pela expressão «pronúncia indevida», pelo que, na interpretação normativa oposta, adotada na decisão recorrida, terá ocorrido ofensa daqueles preceitos da Constituição.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=