TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

46 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV– A medida de afetação do domínio público marítimo à Região Autónoma dos Açores está fixada no artigo 8.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), que diz respeito à repartição de poderes gestionários cujo exercício conjunto pelo Estado e pela Região previamente se estabeleceu serem compatíveis com o regime dos bens do domínio público do Esta- do; tem a ver, assim, com as “condições de utilização” das zonas marítimas em causa, pelo que essa regulação não pertence ao âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República. V– O primeiro grupo de normas impugnadas – normas dos artigos 12.º, 18.º, 22.º, 24.º, n.º 5, e 26.º do Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março – regula os atos que compõem os procedimentos de elaboração dos planos de situação e de afetação dos espaços marítimos; em ambos os procedimen- tos, aquelas normas atribuem ao membro do Governo responsável pela área do mar a competência para praticar o ato inicial do procedimento e ao Conselho de Ministros a competência para tomar a decisão final, na forma de resolução; e preveem a participação procedimental dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, em várias fases do procedimento e em diversas modalidades. VI – Nos termos em que a questão de constitucionalidade vem colocada, importa sublinhar a contra- dição contida na fundamentação do pedido: por um lado, considera-se que a competência para legislar sobre o ordenamento do espaço marítimo pertence à Região Autónoma, por outro, alega-se que só o legislador da República pode densificar o princípio da gestão conjunta ou partilhada do domínio público marítimo; a argumentação desenvolvida no pedido debruça-se quase exclusiva- mente sobre a violação, pelas normas em apreciação, do modelo de partilha ou exercício conjunto de poderes de gestão sobre as zonas marítimas adjacentes ao arquipélago dos Açores, consagrado nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA, no entanto, como o requerente não contesta que cabe ao legislador ordinário nacional definir o modelo concreto de gestão partilhada, por se tratar de maté- ria respeitante aos “limites e condições de utilização” do domínio público (n.º 2 do artigo 84.º da Constituição), carece de sentido a invocação de que se legislou sobre matéria enunciada no respetivo estatuto político-administrativo. VII – A competência legislativa para densificar o modelo de gestão contido nos n. os 1 e 3 do artigo 8.º do EPARAA pertence aos órgãos de soberania e não à Região Autónoma dos Açores, ainda que o n.º 1 do artigo 53.º do EPARAA disponha que «compete à Assembleia Legislativa legislar em matéria de pescas, mar e recursos marinhos», especificando a alínea a) do n.º 2, que nessa matéria estão incluídas as «condições de acesso às águas interiores e mar territorial pertencentes ao território da Região», e que, por sua vez, o artigo 57.º disponha que «compete à Assembleia Legislativa legislar em matérias de ambiente e ordenamento do território». VIII – De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, é ainda necessário que as matérias em causa “não estejam reservadas aos órgãos de soberania” e que não extravasem do “âmbito regional”; ora, a concretização do artigo 8.º do EPARAA envolve a repartição de competên- cias entre órgãos da República e da Região, e, consequentemente, produz efeitos em relação a pes- soas coletivas públicas – neste caso, o próprio Estado – que se encontram fora da jurisdição natural da Região Autónoma dos Açores, por isso, a regulação dos poderes de gestão do domínio público marítimo estadual é matéria que extravasa do “âmbito regional”, e assim, deverá ser elaborada pelo legislador da República; de modo que a intervenção normativa consubstanciada no Decreto-Lei n.º 38/2015 não se processou à margem do texto constitucional representando antes o exercício de uma competência legislativa que cabe, por força da Constituição, ao legislador da República.

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