TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

455 acórdão n.º 139/16 (artigo 58.º do CIRC) e ainda porque a norma não permite ao contribuinte a ilisão da presunção da existência de conduta abusiva. A argumentação tem pressuposta a ideia […] de que a cláusula antiabuso em apreço pretendeu combater as situações de abuso e fraude à lei quando os sujeitos passivos procediam à alienação de participações sociais por valores inferiores aos de mercado ou como forma de realizar uma perda que, de outra forma, se manteria latente e sem relevância fiscal. Mas o objetivo do legislador parece ter sido um outro. A norma não visa evitar a evasão fiscal em situações em que exista um risco de concertação de preços. Tem antes em vista evitar que a venda de partes de capital entre sociedades do grupo, de modo recíproco e sucessivo, permita imputar artificialmente às diversas empresas alienantes as perdas decorrentes de cada uma dessas operações. A norma tem pois como alvo a transação em si mesma, e não o preço praticado pelas partes, e serve para reprimir as operações de venda de participações sociais que são realizadas com uma finalidade exclusivamente fiscal, visando obter um custo dedutível. Daí que tivesse havido necessidade de instituir esse regime especial que não poderá ser consumido por outras disposições já existentes, como a relativa aos preços de transferência (artigo 58.º), que apenas visam permitir meras correções administrativas do valor das transações. Por outro lado, e por identidade de razão, não tem relevo a consideração de que o fim visado pelo legislador poderia ser obtido por meios menos onerosos para o contribuinte mediante o recurso à cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária. Esta norma permite considerar ineficazes, no âmbito tributário, os atos ou negócios jurídicos praticados com abuso de formas jurídicas e essencial ou principalmente dirigidos à redução, eliminação ou diferimento temporal dos tributos que seriam devidos em resultado de atos ou negócios equivalentes. Trata-se ainda de uma norma cuja aplica- ção está dependente da abertura de um procedimento próprio, regulado no artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e que permite a apresentação de prova que o contribuinte entender pertinente (n.º 6). Sucede que o recurso a essa cláusula geral antiabuso, ainda que permitisse a contraprova por parte do sujeito passivo de que a operação foi realizada nas condições normais de mercado e de acordo com o valor de cotação das ações no mercado bolsista, não teria qualquer efeito prático, visto que […] o que está em causa não é a possível con- certação de preços mas a realização de transações que envolvam participações sociais entre partes relacionadas. E, nesses termos, o sujeito passivo não obteria qualquer vantagem com a demonstração de que a transação foi efetuada ao preço de mercado, nem essa demonstração seria suficiente para validar a substância económica da operação. […]” (sublinhados acrescentados). O excerto transcrito (do Acórdão n.º 753/14) serve, antes de mais, para assinalar que um primeiro obs- táculo se ergue perante a argumentação da recorrente. Na verdade, tentando apurar a igualdade substancial de posições jurídicas – no pressuposto de que só duas posições materialmente iguais ou equivalentes podem servir de parâmetro para aferir de um tratamento desigual –, não pode afirmar-se, de modo algum, que tal ligação exista entre uma relação que conduz à tributação-regra e uma outra relação que conduz à concessão ou não concessão do benefício fiscal. Assim sendo, os contornos das normas que regulam a tributação-re- gra são de molde a poder demonstrar uma situação de desigualdade entre diferentes sujeitos onerados com impostos – v. g. , porque, perante factos idênticos são tributados de modo diverso – mas, só por si, não relevam para dar por verificada a desigualdade entre quem é tributado e quem beneficia ou não beneficia de uma isenção. Dito de outro modo: o padrão de (des)igualdade terá de medir-se não propriamente entre os termos da tributação e os termos da isenção, mas antes, pelo contrário, entre diferentes sujeitos ou catego- rias de sujeitos que beneficiam ou não beneficiam da isenção, visto que é precisamente a norma que retira a isenção que, no entender da recorrente, é a causa da desigualdade. A questão de determinar se uma sociedade comercial deve ser tributada em certas circunstâncias – com ou sem possibilidade de prova de certos factos – não tem equivalência jurídica à questão da concessão de um benefício fiscal, cuja origem e razão de ser é, precisamente, proteger interesses extrafiscais.

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