TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
454 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como é possível concluir, embora ambas as disposições se reportem a transações realizadas entre sociedades entre as quais existam relações especiais (segundo o conceito descrito no n.º 4 do artigo 58.º), a do artigo 23.º, n.º 7, constitui uma norma especial em relação àquela outra disposição: por um lado, respeita apenas a transações sobre participações sociais e possui, por isso, um âmbito de aplicação mais restrito; por outro lado, comina uma consequência mais gravosa no ponto em que determina a não aceitação fiscal, pura e simples, das menos-valias realizadas, em contraposição com o disposto no artigo 58.º que estabelece um princípio geral de correção, pela Administração Fiscal, do preço de transferência quando este não corresponda ao que seria normalmente acordado entre entidades independentes. A opção legislativa relativamente a essa disposição do artigo 23.º, n.º 7, é explicada por Gustavo Lopes Cou- rinha nos seguintes termos ( ob. cit. , p. 139) [a obra em causa é “O artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, a “Constituição e o Regime de Preços de Transferência das Convenções sobre Dupla Tributação”, in Reestruturação de Empresas e Limites do Planeamento Fiscal , Coimbra, 2009]: ‘O pressuposto desta norma é, pois, claramente o de combater a elisão fiscal ou planeamento fiscal abusivo, derivado de vendas que têm lugar em determinados termos ou circunstâncias, porque o adquirente se encontra na órbita de um determinado grupo societário ou, em termos mais genéricos, porque detém “relações especiais” com o alienante, v. g. as situações infra grupo. O legislador fiscal parece entender que a venda de participações sociais a entidades relacionadas será sempre artificiosa e motivada por razões eminentemente fiscais, e despida, portanto, de outras razões que a validem no quadro da atividade normal de uma empresa. Por isso, o legislador decidiu não reconhecer sequer aqueles casos em que tais operações possam ser praticadas em condições normais de mercado e perfeitamente legitimadas por um propósito comercial adequado e no melhor interesse da empresa, desconsiderando ao invés, pura e simplesmente, toda e qualquer menos-valia assim realizada. Por via do estatuído no artigo 23.º, n.º 7, o legislador concebeu uma norma antiabuso de aplicação auto- mática com o alcance de impedir a dedução de menos-valias ou perdas resultantes da alienação de participações sociais entre sociedades com relações especiais, independentemente de ter sido praticado o preço de mercado e de a operação ter sido realizada nas condições que seriam praticadas por entidades independentes.’ Neste contexto, a questão de constitucionalidade que a recorrente começa por colocar é a de saber se a des- consideração fiscal dos custos sem a possibilidade de contraprova, por parte do sujeito passivo, de que não existiu uma vantagem fiscal abusiva não viola desproporcionadamente o direito do contribuinte à tributação segundo o lucro real. 6. Não pode deixar de reconhecer-se que a dedutibilidade dos custos e perdas de uma sociedade, ainda que decorrentes da alienação de participações sociais, releva para a aplicação do princípio da tributação segundo o lucro real, na medida em que se trata de variações patrimoniais negativas que intervêm na formação do lucro tributável. […] A norma do artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, visando impedir a dedução dos custos para efeitos fiscais em caso de transmissão onerosa de participações sociais entre sociedades em relação de grupo, terá de ser entendida como uma cláusula antiabuso específica relativa à reestruturação das empresas agrupadas ou dos laços intersocietários e que se encontra vocacionada para combater situações de elisão e fraude fiscal que resultem do planeamento fiscal que é proporcionado “pela sua típica estrutura jurídica policêntrica e pela submissão dos respetivos componentes a uma estratégia empresarial única” (José Engrácia Antunes, “A Tributação dos Grupos de Sociedades”, in Fiscalidade, n.º 45 , janeiro-março de 2011, p. 25). A recorrente invoca a restrição desproporcionada do direito do contribuinte à tributação segundo o lucro real, colocando a ênfase na vertente da necessidade ou exigibilidade da medida, por considerar que o mesmo fim poderia ser alcançado de modo igualmente eficaz através da cláusula geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária ou por via dos mecanismos de correção da matéria coletável aplicáveis aos preços de transferência
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