TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
434 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do dever de pagar compensações entre operadores em certos casos de incumprimento dos deveres impostos pela portabilidade. No entendimento da recorrida: «CC.A questão sob apreciação refere-se tão só e somente à obrigação de pagamento de uma determinada quantia, pré-determinada, por um operador a outro operador, quando se verifiquem atrasos no envio da documenta- ção associada ao processo de portabilidade no prazo fixado no RP ou portabilidades indevidas. (…) EE. A falta de pagamento entre operadoras das compensações previstas no RP não importa a violação dos direitos dos assinantes de serviços telefónicos à portabilidade do seu número ou números de telefone: o pagamento de tais compensações é indiferente à efetivação de tal direito e relaciona-se com outras vertentes (interna entre operadores se se quiser) da portabilidade que não a portabilidade do número do assinante.» Já para o representante do Ministério Público neste Tribunal: «(…) as compensações estabelecidas inscrevem-se não no foro da autonomia privada, mas na área da proteção do interesse público (defesa da concorrência e proteção dos consumidores).» 9. Não oferece dúvidas a este Tribunal que o interesse subjacente às normas que impõem o dever de pagar compensações entre operadores por ofensa às regras de portabilidade é um interesse público – e um interesse público relevante. A palavra portabilidade designa, no contexto das telecomunicações, o direito de mudar de operador de telefone fixo ou móvel, mantendo o mesmo número. Tratando-se de um «direito de mudar», é uma simples faceta da liberdade do consumidor de optar por um outro fornecedor de um qualquer serviço que seja pres- tado em regime concorrencial. Num mercado pequeno, com um número restrito de operadores e com estes concorrendo entre si, por vezes de forma bastante agressiva, assegurar a liberdade de escolha do consumidor é absolutamente essen- cial. Daí as normas, legais e regulamentares, que se preocupam em garantir esta liberdade, prevenindo e reprimindo todas as formas de a cercear, promovendo dessa forma um interesse que ninguém contesta ser público. Claro que, neste contexto, o estabelecimento de contraordenações é um instrumento comum e indispensável. Na tese veiculada pela decisão recorrida, o incumprimento do dever de pagar as compensações esta- belecidas, independentemente da sua qualificação como público, apenas legitimaria o estabelecimento de contraordenações, no caso de as compensações em dívida serem devidas aos consumidores / assinantes. Já o não pagamento das compensações devidas entre operadores não poderia ser erigido em contraordenação porque, nas palavras da recorrida, o pagamento de tais compensações seria «indiferente à efetivação de tal direito» [refere-se ao direito do assinante à portabilidade]. 10. Esta posição não pode merecer acolhimento do Tribunal. O processo de portabilidade é, utilizando a nomenclatura de inspiração italiana, um verdadeiro pro- cesso, e não apenas um procedimento. Nele avulta, mais do que a simples sucessão de atos e formalidades, um verdadeiro conflito de interesses entre operadores: o interesse do prestador doador ou detentor, em tudo fazer para ganhar um novo cliente, e o interesse do prestador recetor, em não perder tal cliente. A lei considerou – e bem, pois só assim se defende e promove a concorrência – que deveria impor ao pres- tador recetor o dever de facilitar a concorrência, de alguma forma agindo contra os seus interesses (ciente de que beneficiará da mesma norma em futura situação inversa). Ora, a imposição a este do dever de envio ao prestador doador ou detentor de toda a documentação necessária para permitir a mudança de operador (é isto a porta- bilidade) – dever em cujo cumprimento a recorrida decaiu múltiplas vezes, sendo, por isso, condenada pela
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