TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
420 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Cons- tituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbi- trariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.» Ora, como se viu a propósito do direito ao recurso, a limitação dos graus de jurisdição, nomeadamente a não previsão de um segundo grau de recurso, é uma opção que resulta da “liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo”. No caso da efetivação de responsabilidade financeira rein- tegratória, a lei previu um grau de recurso aberto a qualquer uma das partes (cfr. o artigo 96.º, n.º 3, da LOPTC, desde a redação originária). A limitação a esse grau de recurso não se afigura arbitrária nem desra- zoável ou desproporcionada e, sobretudo, não põe em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva. Tem este Tribunal entendido que a disciplina do direito ao recurso em geral deve conciliar, por um lado, a garantia de defesa dos direitos das partes e de uma maior qualidade da justiça; e, por outro lado, a garantia de eficiência do sistema judiciário. Nesse sentido, e verificando a previsão constitucional de uma hierarquia de tribunais que distingue entre diversos graus de jurisdição (artigo 210.º da Constituição), importa articular esta última com aquele direito. Assim, no Acórdão n.º 49/03, considerou-se que, sendo os fundamentos do direito ao recurso: (i) a redução do risco de erro judiciário; (ii) a garantia de melhor qualidade da decisão em virtude de esta vir a ser proferida por uma instância superior; e (iii) uma nova oportunidade para a defesa dos direitos das partes, “os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição”. Por outro lado, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, “há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição”, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões desfavoráveis, correspondendo tais fundamentos à intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação” (cfr. ibidem ). No caso do Tribunal de Contas, e em particular no domínio das decisões de efetivação da responsabi- lidade financeira reintegratória, o terceiro grau de jurisdição teria de ser assegurado pelo plenário geral do Tribunal, na sequência de recurso interposto de acórdão do plenário da 3.ª Secção [cfr. os artigos 14.º, 75.º e 79.º, n.º 1, alínea a) , da LOPTC – a respetiva redação originária não foi objeto de modificação posterior]. Ora, para além do aludido risco de paralisação do mencionado plenário geral, aqui também invocável como fundamento de limitação dos graus de jurisdição, a verdade é que a própria estrutura e o modo de fun- cionamento do Tribunal de Contas não garantem à partida que a decisão do plenário geral fosse de qualidade superior ou menos atreita ao risco de erro judiciário. Em primeiro lugar, porque as secções do Tribunal de Contas são especializadas, competindo à 3.ª Secção os processos jurisdicionais e a respetiva decisão – esta Secção é frequentemente designada de secção jurisdicio- nal ou de julgamento, por confronto com as secções de visto (a 1.ª) e de auditoria (a 2.ª) [cfr. os artigos 15.º e 79.º, n. os 1, alínea a) , e 2, da LOPTC, nas suas diferentes redações; quanto às designações, vide, por exemplo, António Cluny, Responsabilidade Financeira (…) , cit., pp. 63 e 202; e Nazaré da Costa Cabral e Guilherme W. D’Oliveira Martins, Finanças Públicas e Direito Financeiro – Noções Fundamentais, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2014, pp. 440 e segs.). Por isso mesmo, devem prioritariamente ser colocados na 3.ª secção os juízes do Tribunal de Contas oriundos das magistraturas (artigo 15.º, n.º 4, antes da redação dada pela Lei n.º 20/2015, de 9 de março; n.º 5, na redação dada por esta última). Em segundo lugar, porque, diferentemente do que sucede em relação aos recursos de decisões proferidas em 1.ª instância no quadro das secções – em que o juiz relator da decisão recorrida não pode intervir no julgamento do recurso que dela tenha sido interposto –, nas decisões a adotar pelo plenário geral participam todos os juízes do Tribunal de Contas e, portanto, também aqueles que integram o plenário da 3.ª Secção
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