TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

42 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3); quanto a leis penais incriminadoras (artigo 29.º, n.º 1) e quanto a leis que definam os elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º, n.º 3). Por assim ser, em princípio, não está o legislador proibido de conferir eficácia passada aos regimes novos que pretenda instituir. Isto mesmo se compreende, tendo em conta a condição essencial de autorrevisbilidade que caracteriza os atos da função legislativa e os fundamentos democráticos que a sustentam. Sucede, porém, que este poder do legislador, de conferir eficácia passada a efeitos produzidos por leis novas, não pode deixar de ter limites. E esses limites encontrar-se-ão sempre que, em ponderação, se concluir que as razões de interesse público (e o seu respaldo constitucional) que motivaram a alteração do Direito não se podem sobrepor à confiança que os destinatários das normas detinham em que se não desse a mutação da ordem jurídica que os viria a afetar. Os termos em que o juiz constitucional procede a esta ponderação são sempre de ordem valorativa, e nunca de ordem fáctica, empírica ou psicológica. Quer a ponderação se processe nos termos da «fórmula» do Acórdão n.º 287/90, que a jurisprudência seguinte sempre repetiu, quer se processe de acordo com o modelo dos testes, iniciado com o Acórdão n.º 128/09, o essencial mantém-se. Em ambos os casos do que se trata é de encontrar um método para levar a cabo uma ponderação. E por esta ser de ordem valorativa e não fáctica ou empírica, o que nela se deve sopesar é a intensidade da tutela constitucional que merecem as situações jurídico-subjetivas privadas, afetadas pela mudança legislativa, e a intensidade da tutela constitucional que merecem as razões que moveram tal mudança. Neste quadro, que é, repito, de ordem valorativa e não fáctico-empírica, não há lugar para a considera- ção do «comportamento» do legislador como se de um fenómeno indutor de «representações psicológicas» se tratasse. Resumir o fenómeno de sucessão de leis no tempo – que é, como se sabe, condição de existência e de continuidade da ordem jurídica, na exata medida em que é expressão da abertura da lei à história e ao devir histórico – a algo caracterizado como «comportamento do legislador» não me parece curial. Como me não parece acertado resumir a exigência fundamental que o princípio do Estado de direito faz a esse fenómeno – a de que a adaptação da ordem jurídica ao devir histórico se faça de modo contínuo, articulado e moderado – a um «comportamento do legislador» que induza, nos destinatários das normas, certas «representações» ou «pré-disposições psicológicas» e não outras. Como o que está em causa é coisa diversa, a ponderação a que o juiz constitucional procede sempre que avalia uma solução legislativa à luz do princípio da proteção da confiança não pode confundir-se com medições empíricas que, assinalando a «constância» do «comporta- mento do legislador» quanto a certo aspeto da legislação, meça também as repercussões que essa constância tenha tido nas representações mentais dos destinatários das normas. Conceber deste modo o juízo inerente à proteção da confiança implica despojar o princípio da sua raiz juspublicística para o fazer radicar num lugar não reconhecível nos quadros conceptuais próprios do direito constitucional. Em última análise, implica conceber o legislador, que se «comporta» de certo modo, e o destinatário da norma, que vai «acreditando» no «comportamento legislativo», como se de dois parceiros em negociações privadas se tratasse. Nada mais longe dos quadros conceptuais que são próprios do direito constitucional. Foi, no entanto, neste peculiar entendimento do princípio da «proteção da confiança» que, em meu entender, Tribunal fez assentar no presente caso o juízo de inconstitucionalidade. Pelas razões expostas, não pude acompanhá-lo. 4. A este ponto acresce um outro. A ponderação valorativa que a consideração da proteção da confiança exige – ponderação entre a tutela constitucional que merecem as expectativas dos destinatários das normas na não mutação da ordem vigente, e as razões de interesse público que levaram o legislador a instituir a mudança, com efeitos prejudiciais para direitos adquiridos ao abrigo do regime anterior – implica a aplicação, neste contexto, do terceiro teste do princípio da proporcionalidade. Não há, entre a proteção da confiança e a proporcionalidade, uma simbiose indiferenciada. Quando se avalia uma decisão legislativa à luz do primeiro princípio, não se acrescentam a todos os elementos que o compõem os três testes – a adequação, a necessidade, a proporcionalidade em

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