TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

417 acórdão n.º 127/16 do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas” (cfr. Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 20.º, p. 441). […] Nessa linha, entendendo-se a exposição das razões de facto e de direito de uma dada pretensão, com sujeição ao contraditório da parte contrária, perante o tribunal antes que este tome a sua decisão como uma manifestação do direito de defesa dos interessados perante os tribunais, tal direito, juntamente com o princípio do contraditório, não pode deixar de ser visto como “uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente. Por isso, embora só estejam [ – o direito de defesa e o princípio do contraditório – ] expressamente consagrados na Constituição no âmbito do processo penal, [os mesmos] apre- sentam-se como normas de alcance geral” (cfr. Rui Medeiros, ob. cit. , anot. XX ao artigo 20.º, pp. 442-443). […] 10. Como o Tribunal Constitucional afirmou no seu Acórdão n.º 287/90, embora a garantia da via judiciária do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição se traduza prima facie no direito de recurso a um tribunal para obter dele uma decisão sobre a pretensão perante o mesmo deduzida, deve incluir-se ainda na mesma garantia a proteção contra atos jurisdicionais. Isto é, o direito de ação incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra atos jurisdicionais, o qual, obviamente, só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais: “o direito (sub- jetivo) de recorrer visa assegurar aos particulares a possibilidade de impugnarem atos jurisdicionais e ainda tornar mais provável, em relação às matérias com maior dignidade, a emissão da decisão justa, dada a existência de mais do que uma instância”. No mesmo aresto, todavia, este Tribunal também advertiu que daquela proposição não decorre a existência de um ilimitado direito de recurso, extensivo a todas as matérias, o que implicaria a inconstitucionalidade do próprio estabelecimento de alçadas. O Tribunal considerou, então, que, com ressalva da matéria penal, atendendo ao que dispõe o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, tal direito não é um direito absoluto – irrestringível. Diferentemente, o que se pode retirar, inequivocamente, das disposições conjugadas dos artigos 20.º e [atual] 210.º da Constitui- ção, em matérias diversas da penal, é que existe um genérico direito de recurso dos atos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude. Ao legislador ordinário estará vedado, exclusivamente, abolir o sistema de recursos in toto ou afetá-lo substancialmente. Esta orientação foi posteriormente reafirmada por diversas vezes (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98, 276/98, 638/98, 202/99, 373/99, 415/01, 261/02, 302/05, 689/05, 399/07 e 500/07). No Acórdão n.º 40/08 admitiu-se ainda que, para além dos casos que relevam do direito de defesa do arguido em processo penal, seria também sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer atos lesivos dos direitos dos cidadãos ( maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses atos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, se garantisse o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atuações materiais) que constituíssem a causa primeira e direta da afetação de tais direitos. Considerouse, então, que quando a atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deveria ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação; mas quando a afetação do direito fundamental do cidadão tivesse tido origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já tivesse sido objeto de controlo jurisdicional, então não seria em todos os casos constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão de controlo (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos n. os 44/08 e 197/09). Por outro lado, fora do âmbito em que se considera constitucionalmente imposto que o legislador ordinário consagre um segundo grau de jurisdição, se este decidir prever esse segundo grau em determinadas situações, daí não se segue que o legislador tenha irrestrita liberdade na regulação desse recurso. O Tribunal Constitucional sempre tem entendido que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respetiva regulamentação não lhe é consentido adotar solu- ções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerarse vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. o Acórdão n.º 197/09). Como se referiu no Acórdão n.º 628/05, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que

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