TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
410 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conforme, pelo que, e até atento o disposto no artigo 9.º, 10.º e 11.º do Código Civil, a coerência do sistema, a igualdade e o direito a um processo justo e equitativo justificam a admissão do recurso de revista quando o Tribunal de Contas proferiu uma sentença absolutória e depois em sede e recurso do MP, decide em sentido inverso. 12. A não ser assim como defendemos, o sistema ficaria refém de um situação altamente perniciosa, perigosa e potencialmente geradora de decisões manifestamente injustas, pois, o Juiz do recurso, sabendo que a sua decisão não podia ser sindicada, podia, facilmente, decidir em sentido contrário ao Juiz da primeira instância, abusando até dos seus poderes e prerrogativas. 13. O Ministério Público (MP) demandou os aqui recorrentes e foi proferida sentença na 1.ª instância que absolveu os aqui recorrentes. O MP não se conformou, interpôs recurso mas no recurso “reduziu” o seu pedido para que fosse relevada a conduta dos recorrentes, ora, o Juiz relator do recurso, para calçar o “pré-juizo” não só “calçou” a sua decisão alterando o que as testemunhas disseram como foi mais “polícia” que o MP, pois condenou os recorrentes em mais do que o próprio MP havia pedido. (o MP havia começado por pedir a condenação á res- tituição de 40 000 € , para depois em sede de recurso se ficar pela relevação da pena, condenando o Juiz de recurso em 40 000 mais juros, juros esses que nunca haviam sido sequer peticionados) 14. A permanecer a interpretação dada aquelas normas do LOPTC de que não há recurso de revista mesmo quando não há dupla conforme, os recorrentes ficam impedidos ver garantido o seu direito a um processo justo e equitativo, e como se diz no acórdão supra citado “Sendo assim, imperioso é concluir que a irrecorribilidade da decisão condenatória, em segunda instância e em revogação da absolvição proferida em primeira instância, viola as garantias de defesa do arguido, em especial o seu direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição”. 15. O Ministério Público, perante uma decisão (a sentença da primeira instância) que lhe foi desfavorável, teve o direito de recorrer pelo menos uma vez. 16. Assiste aos recorrentes o mesmo direito de recorrer pelo menos uma vez, sob pena de violação dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 ( a contrario ) do CPC e artigos 9.º, b) , 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ainda para mais, quando no caso, nem sequer há dupla conforme. 17. Na ausência de dupla conforme, a admissão do recurso justifica-se pois, caso contrário, não se garante um sistema de fiscalização das decisões judiciais justo, equitativo e garante dos direitos de defesa e da tutela jurisdicio- nal efetiva. 18. A admissibilidade da revista é desta feita um imperativo constitucional e a interpretação do artigo 96.º, n.º 3 da LOPTC, tem de respeitar os artigos 75.º, g) e h) , 80.º, alínea a) , 96.º da LOPTC e 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 ( a contrario ) do CPC e artigos 92.º, b) , 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e artigos 89.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, acresce que, como já dissemos estes processos de responsabilidade financeira, têm uma génese de natureza sancionatória, pelo que, justifica-se assegurar as garantias de defesa e de recurso, e, também por aqui e por força do artigo 32.º, n.º 1 da CRP, a interpretação normativa que se possa fazer no sentido da não admissão do recurso, será inconstitucional. 19. Ao interpretar-se aquelas normas no sentido de não se admitir revista, fica a porta “escancarada” para que a decisão de mérito final fique irremediavelmente perdida, imbricada numa solução injusta, manifesta e ostensi- vamente errada. 20. O direito de acesso aos tribunais não pode ser entendido num sentido formal (apenas como o direito de acesso aos tribunais), tem de ser entendido numa aceção mais ampla, como o direito efetivo a uma jurisdição em termos equitativos. Esta ação mais ampla levou à consagração constitucional do direito a um processo equitativo ou justo no artigo 20.º n.º 4 da CRP, derivado do artigo 10 da Declaração Universal dos direitos do Homem. 21. O artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa foi também influenciado pelo artigo 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e pelo artigo 15.º do pacto sobre os direitos civis e políticos da Organização Mundial da Nações Unidas e o trabalho jurisprudencial efetuado pelo tribunal Europeu dos Direitos do Homem constitui uma referência fundamental na criação de um conceito de direito a um processo equitativo no qual caberia não só o julgamento justo perante os tribunais mas o próprio direito de acesso aos tribunais para exame de uma causa enquanto garantia fundamental da justiça.
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