TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

41 acórdão n.º 3/16 estatuto próprio dos titulares de cargos políticos. Se sobre tais titulares impende um conjunto específico de deveres, responsabilidades e incompatibilidade que não onera os demais cidadãos, também em relação a eles pode a lei definir um conjunto próprio de «direitos e regalias». Nesta última categoria se incluía portanto a subvenção mensal vitalícia, que o legislador de 84, numa espécie de «compensação» pelo «sacrifício» resul- tante da entrega ou devoção à causa pública, decidira nessa altura instituir. Como a sua decisão fora, face às imposições jurídico-constitucionais, uma decisão livre – nada na CRP obrigava a que se procedesse a esta conformação legislativa da «recompensa» pelo «sacrifício» – nenhuma censura poderia merecer o facto de, décadas mais tarde, o legislador ordinário ter pura e simplesmente decidido pôr termo, para o futuro, a esta figura que ele próprio livremente criara. Em segundo lugar, mesmo em relação aos efeitos retrospetivos desta última decisão – isto é, aos efei- tos que ela teria em relação às subvenções já em pagamento, porque conferidas em tempos passados, e que se traduzissem na alteração dos termos em que tais subvenções continuariam a ser recebidas – entendeu o Tribunal que, precisamente por causa da natureza «livre» da decisão legislativa tomada em 84, a afetação negativa das posições subjetivas já adquiridas não podia ser tida como uma «restrição [legislativa] de direitos fundamentais», submetida ao regime apertado do artigo 18.º da CRP. Por esse motivo, os titulares afetados nunca poderiam ter «expectativas fundadas na intangibilidade ou subsistência inalterada do regime jurídico das subvenções em pagamento». Tanto mais que entretanto, entre 1984 e a atualidade, mudara a «consciên- cia social», e por isso se tinham sucedido quanto a esta matéria mudanças legislativas de «sentido restritivo ou mesmo revogatório». Contudo – e este é o terceiro e final argumento que o Tribunal apresenta, nele se sustentando todo o juízo de inconstitucionalidade – se os particulares afetados não poderiam ter «expectativas fundadas» quanto à inal- terabilidade do regime das subvenções já em pagamento, já teriam toda a expectativa de que tais subvenções não mudassem de «natureza», porque nesse sentido tinha ido, até então, todo o «comportamento» legislativo. É que todas as mudanças legislativas entretanto ocorridas tinham constantemente mantida intacta tal natureza, tratando sempre as subvenções como recompensa de um sacrifício que se havia traduzido na entrega (pessoal) à causa pública. Todavia, ao introduzir na norma orçamental sob apreciação a «condição de recursos», o legislador assimilara as subvenções mensais vitalícias às prestações do sistema de segurança social destinadas a assegurar mínimos de sobrevivência condigna, assim se desvirtuando a natureza da prestação. Alterara-se, portanto, o «comportamento do legislador» de uma forma tal que com essa alteração não podiam as pessoas legitimamente contar. Foi este o argumento central do Tribunal. Além disso – entendeu-se também – nenhum «contrapolo valorativo» poderia justificar esta alteração do «comportamento legislativo», uma vez que «considerando o orçamento no seu todo», a poupança de despesa pública alcançada por esta medida não seria «de grande monta». 2. Não pude subscrever esta argumentação por dois motivos fundamentais. Em primeiro lugar, porque discordo da conceção que lhe subjaz relativamente ao que seja, ou em que é que consista, a proteção da con- fiança enquanto princípio constitucional, suscetível de invalidar as decisões do legislador democraticamente legitimado. Em segundo lugar, porque entendo que o Tribunal procedeu neste caso a uma ponderação – entre as «expectativas» das pessoas quanto à inalterabilidade do regime das prestações em causa (ou, como se diz no acórdão, quanto à inalterabilidade da sua «natureza») e os fins de interesse público que a justificariam – que não foi suficientemente fundamentada. 3. A proteção da confiança, enquanto princípio constitucional decorrente do valor de segurança jurídica ínsito na ideia de Estado de direito, é aplicável às soluções que o legislador ordinário encontra para resolver problemas de sucessão de leis no tempo. Enquanto parâmetro de validade dos atos do poder legislativo, o âmbito de aplicação da «proteção da confiança» restringe-se a esta – e só a esta – situação. Em princípio, a Constituição não proíbe que o legislador faça repercutir sobre o passado os efeitos decorrentes das leis novas que pretenda instituir. A CRP só proíbe expressamente a retroatividade das leis em três situações: quanto

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=