TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

400 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO Apreciada a exata interpretação da norma que veio a ser desaplicada pelo tribunal a quo, pronunciar-me- -ia no sentido da sua inconstitucionalidade, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, que proíbe os efeitos necessários das penas. O disposto na alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade portuguesa e na alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, interpretadas no sentido, isoladamente conside- rado, de que “o impedimento de adquirir a nacionalidade portuguesa decorrente da condenação em pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos (como) efeito necessário, no sentido de efeito automático da condenação, na medida em que impõe inexoravelmente ex vi legis na esfera jurídica do interessado não deixando à Administração qualquer margem de apreciação e ponderação”, viola o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição que estabelece que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direi- tos civis, profissionais ou políticos”. Introduzido na Revisão Constitucional de 1982, com o objetivo de retirar às penas o seu efeito desso- cializador e estigmatizante, da sua interpretação resulta não apenas a proibição dos efeitos automáticos das penas, como ainda, tal como explicam Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portu- guesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 505): “(Embora o n.º 4 se refira apenas à proibição de efeitos necessários das penas), a proibição estende-se também, por identidade de razão, aos efeitos automáticos ligados à condenação pela prática de certos crimes, pois não se vê razão para distinguir.” Ainda que se possa entender que ao legislador é concedida margem de conformação para definição das condições para atribuição da nacionalidade portuguesa – direito integrado nos direitos, liberdades e garantias pessoais tutelado pelo artigo 26.º, n.º 1 (e n.º 4) da Constituição –, a liberdade que para tal lhe é constitu- cionalmente permitida, para a da fixação dos critérios objetivos de que depende a aquisição da nacionalidade por efeito da vontade e a pertença à comunidade política, não pode autorizar a consagração de efeitos auto- máticos das penas, desatendendo, por completo, aos princípios que, por imposição constitucional, determi- nam ou modelam as sanções. Quando a norma a aplicar tenha subjacente a ausência de outra ponderação ou valoração, por apenas levar em linha de conta, mecanicamente, a fixação daqueles critérios legalmente fixados, que determinam que uma condenação transitada em julgado pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, independentemente de qualquer ponderação, apreciação ou valoração da Admi- nistração ou julgador do seu contexto, constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, uma tal norma não pode deixar de determinar o meu juízo de inconstitucionalidade, em virtude da automatici- dade do efeito da pena que encerra (Veja-se, em especial, o Acórdão n.º 154/04, mas também outros como os Acórdãos n. os 16/84, 18/84, 91/84, 127/84, 310/85, 75/86, 94/86, 282/86, 255/87, 284/89, 748/93, 522/95, 202/00, 461/00, 422/01 e 562/03). O acórdão entendeu, todavia, ser possível fazer uma outra leitura do disposto nos preceitos desaplica- dos, evitando o julgamento de inconstitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, que permite que o Tribunal funde um juízo de constitucionalidade relativamente a norma que tenha sido desaplicada, numa outra interpretação da mesma norma, devendo esta outra interpre- tação ser aplicada no processo em causa, em substituição da que haja sido desaplicada. Essa outra leitura, embora não leve em linha de conta uma ponderação realizada pela Administração ou pelo julgador quanto ao caso concreto, faz operar um outro critério definido pelo legislador, que afasta o efeito que mecanicamente resultaria da pena. É o que sucede quando é possível fazer funcionar, como critério limitador do efeito automático da pena, a fixação dos prazos de que depende a cessação da vigência no registo criminal das decisões penais condenatórias e o seu cancelamento definitivo, e com isto afastar o fundamento da oposição à aquisição da nacionalidade. É a essa nova leitura que procede o texto do Acórdão. Neste se decide interpretar as normas da alínea b) do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade portuguesa e da alínea b) do n.º 2 do artigo 56.º do Regulamento da

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