TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

394 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL vontade). É por imperativo constitucional – logo na remissão operada pelo artigo 4.º da Constituição – que cabe ao legislador o estabelecimento dos critérios e pressupostos da atribuição e aquisição da cidadania por- tuguesa. Acrescidamente, da iusfundamentalidade do direito em causa – o direito a aceder à cidadania (artigo 26.º, n.º 1, CRP) – decorre, para o legislador, a obrigação de criação das condições de exercício deste direito fundamental. Cabe ao Estado português definir quem são os seus nacionais. E deve fazê-lo por via da lei (como releva no presente recurso de constitucionalidade) ou de convenção internacional. Num caso, como noutro, sujei- tos a aprovação parlamentar. Ora, na definição dos critérios de atribuição e aquisição da cidadania, o legislador deve «identificar, nas diferentes situações colocadas, as conexões efetivas com o Estado português que são necessárias e suficientes para conferir aos indivíduos o direito a aceder à cidadania portuguesa» (Jorge Pereira da Silva, O direito fun- damental à cidadania , cit., p. 280). Neste domínio, a margem de conformação do legislador não deixa de se mostrar condicionada pelos imperativos decorrentes do conteúdo do direito fundamental à cidadania (enquanto direito fundamental de natureza pessoal e assim consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição) e do regime que lhe é associado enquanto direito, liberdade e garantia (designadamente nos artigos 12.º, 13.º, 18.º e 20.º da Constituição), para além do dever de ponderação dos demais valores constitucionais relevantes, subjazendo-lhe, ainda e necessariamente, o respeito pelos princípios de Direito Internacional, de que avulta (para além do direito de aceder a uma nacionalidade e a dela não ser privado) o princípio da ligação efetiva entre o indivíduo e a comunidade politicamente organizada em que se integra. Assim, no caso vertente, a aquisição da nacionalidade portuguesa pode ter lugar desde que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português declare, na constância do casamento, que pretende adquirir esta nacionalidade. O legislador, ao estabelecer os pressupostos desta forma de aquisição da cidada- nia estabeleceu também uma «condição negativa»: que não haja sido deduzida pelo Ministério Público opo- sição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela seja considerada judicialmente improcedente. Os fundamentos, previstos na lei, para a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa constituem, assim, pressupostos (negativos) do direito à aquisição da cidadania. Assim sendo, mesmo configurados como causas obstativas à aquisição da nacionalidade portuguesa, não deixam de corresponder ao desiderato de preenchi- mento dos critérios de conexão relevantes, ponderados pelo legislador, para o reconhecimento de uma liga- ção efetiva e genuína do requerente à comunidade nacional – base do vínculo jurídico-político a constituir e da ideia inclusiva que o informa. Do regime legal resulta que, na regulação dos critérios e pressupostos da nacionalidade derivada (por efeito da vontade e da adoção e por naturalização), o legislador atribuiu relevância, como pressuposto de facto, à condenação criminal em causa. Em certa medida, o legislador procura obstar a que aqueles que, por via da prática daqueles crimes, judicialmente aferida, ofenderam os bens jurídicos a que a comunidade nacio- nal entendeu conferir uma tutela jurídico-penal traduzida numa moldura penal de máximo igual ou superior a três anos, integrem a comunidade cujos bens (assim) tutelados não respeitaram. Pode, pois, conceber-se que a opção do legislador quanto ao fundamento de oposição da aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade e da adoção em causa (que igualmente vale na aquisição da nacionalidade por naturalização) – a condição de não ocorrência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo legal igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa – corresponde, ainda, à densificação do vínculo de ligação efetiva entre a pessoa e o Estado (português) que baseia a cidadania. Esta causa obstativa ou preclusiva da cidadania (derivada) não constitui novidade absoluta no direito comparado. De exemplos que nos são próximos – Itália e França – podemos verificar que os respetivos ordenamentos jurídicos prevêem que a ocorrência de uma condenação penal determine a não concessão da respetiva nacionalidade. Assim, a Lei da Cidadania italiana ( Legge 5 febbraiso 1992, n.º 91 – Nuove norme sulla cittadinanza ) prevê, no seu artigo 6.º, entre as causas preclusivas de obtenção da cidadania italiana

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