TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

389 acórdão n.º 106/16  Sobre esta modalidade de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade já se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 605/13:  «(…) [O] direito da nacionalidade, a apresentar alguma “natureza” (ou a ser, por substância, de índole “publicís- tica” e não “privatística”), fá-lo-á por implicar desde logo a definição dos critérios jurídicos que presidem à constituição do vínculo das pessoas à comunidade política portuguesa (artigo 4.º da CRP), e por se reportar ao modo de exercício de um direito que, por isso mesmo, não pode deixar de deter dignidade jusfundamental (artigo 26.º, n.º 1). É, aliás, esta especial “sensibilidade” que o direito da nacionalidade ostenta face a valores constitucionais (por essência “públicos”, mas nem por isso administrativos), que explica que esse direito tivesse que ser redefinido por lei ordinária, pouco tempo depois da entrada em vigor da Constituição da República. A Lei da Nacionalidade foi escrita em 1981 porque foi então que, neste domínio, o direito português se conformou com as diferentes exi- gências de valor decorrentes da nova ordem constitucional. Não vale a pena recordar todas essas exigências (Rui Moura Ramos , O Direito Português da Nacionalidade, Coimbra, 1984); mas basta que se sublinhe o novo regime, que então se definiu, de aquisição da nacionalidade em caso de casamento, segundo o qual o estrangeiro casado com nacional português pode[ria] adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 37/81, na versão original), para que imediatamente se compreenda a especial reverberação do direito da nacionalidade aos novos valores constitucionais. O regime assim definido vinha, como muito bem se sabe, substituir o outro que fora fixado em 1959 pela Lei n.º 2098, que não apenas contra- riava o princípio da igualdade entre cônjuges como desconsiderava a relevância decisiva da vontade na aquisição da nacionalidade por efeito do casamento. Quer isto dizer que a disciplina contida no artigo 3.º da Lei n.º 37/81 foi, desde o início, reflexo especialmente vivo da inevitável comunicação entre direito da nacionalidade e valores constitucionais. As alterações, posteriores a 1981, que a redação do artigo sofreu são disso mesmo exemplo claro. Em 1994 veio acrescentar-se, ao n.º 1 do referido preceito, a exigência de duração do casamento [de estrangeiro com nacional português] de pelo menos três anos. O casamento passou a partir de então a ser pressuposto de facto idóneo para a aquisição da nacionalidade portuguesa por mero efeito da vontade desde que se verificasse a sua subsistência durante um lapso significativo de tempo. A exigência, que ainda hoje consta da redação desde então inalterada do n.º 1 do artigo 3.º, visou evidentemente evitar que, sob a pressão entretanto acrescida de fluxos migratórios, se manipulasse fraudulentamente, através de “falsos casamentos”, este pressuposto de acesso à cidadania portuguesa. Do mesmo modo, através da Lei Orgânica n.º 2/2006, na quarta alteração à Lei da Nacionalidade, veio o legis- lador, como já se disse, equiparar, neste domínio, a união de facto ao casamento. A homenagem a princípios consti- tucionais como os princípios da igualdade e da não discriminação é evidente. Mas também é evidente a necessidade de impedir (à semelhança do que acontece com o casamento) que a via de acesso à condição de nacional português que assim – e em consonância com soluções idênticas propugnadas por direitos estrangeiros e por convenções internacionais – se abre a estrangeiros que tenham laços vivenciais com a comunidade nacional seja fraudulenta- mente manipulada, através da invocação de estados de união de facto que sejam, na realidade, inexistentes. Foi por isso que se estabeleceu, no n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 37/81, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, que, nestes casos, a declaração de vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa fosse necessaria- mente precedida de ação de reconhecimento da situação de união de facto, a interpor no tribunal cível». O casamento (e, desde 2006, a união de facto – cfr. artigo 3.º, n.º 3 da Lei da Nacionalidade portu- guesa) é, assim, um pressuposto de aquisição da cidadania, entendendo-se corresponder, tal como a possi- bilidade de aquisição da cidadania portuguesa pelos filhos menores ou incapazes ou por efeito da adoção, à razão da «salvaguarda da unidade do estatuto familiar», valor que encontra também na Constituição a devida tutela (neste sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Volume II, Tomo III – Estrutura Constitucional do Estado e Tomo IV – Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 125).

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