TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

387 acórdão n.º 106/16 originária; a filiação, a adopção, o casamento e a residência, no que respeita à cidadania derivada” (Jorge Pereira da Silva, op. cit. pp. 97). Ao legislador ordinário está pois cometida a tarefa de densificar o acesso à cidadania portuguesa, sendo que nessa densificação não poderão deixar de relevar essencialmente as relações que desvelem as situações de uma liga- ção efectiva entre o indivíduo e o Estado português e a comunidade nacional.» 17.3. À fórmula compreensiva contida no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição – a todos é reconhecido o direito à cidadania – têm sido associados quer o direito a não ser privado da cidadania portuguesa quer o direito a aceder à cidadania portuguesa. Assim, à questão de saber se «(…) o n.º 1 do artigo 26.º consagra apenas o direito (dos portugueses) a não serem privados da cidadania portuguesa ou se, mais amplamente, consagra também o direito (de todos os indivíduos não portugueses, mas que tenham uma ligação relevante a Portugal) a obter a cidadania portu- guesa», responde Jorge Pereira da Silva: «Não temos, porém, grandes dúvidas em afirmar que o direito à cidadania portuguesa é um direito que a Cons- tituição “a todos” reconhece: aos portugueses o direito de não serem privados arbitrariamente dessa qualidade; a todos os demais reconhece o direito de acederem a essa qualidade, naturalmente, dentro de certos parâmetros» (cfr. “O direito fundamental à cidadania portuguesa” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 265-313, p. 277)». Da leitura (ampla) que aquele Autor faz do artigo 26.º, n.º 1, prefere Jorge Miranda retirar «(…) um conteúdo imediatamente determinado nessa norma, implicando que os descendentes de progenitor português nascidos em território nacional não possam deixar de ser portugueses de origem; que, por força da protecção da família (artigos 36.º, 67.º e 68.º) o casamento, a filiação e a adopção produzam efeitos diretos ou quase diretos na aquisição de cidadania não originária; e que até a residência possa desencadear um verdadeiro direito à cidadania [mesmo Autor (Jorge Pereira da Silva), Direitos de cidadania e direito à cidadania, p. 96]. Ou, mais amplamente, afirmar que o direito a uma cidadania efetiva não pode ser negada a quem tenha com Portugal uma ligação efetiva, no sentido de uma comunidade constitucional inclusiva, integradora e solidária com aqueles que aqui vivem e aqui criam raízes (p. 101)» (cfr. Jorge Miranda /Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, anotação ao artigo 4.º, VI, p. 127). E se o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição portuguesa tutela o direito fundamental à aquisição da cidada- nia portuguesa e o direito a não ser privado da cidadania portuguesa, aos dois direitos se assinalam diferenças. Como também escreve Jorge Pereira da Silva (cfr. O direito fundamental à cidadania portuguesa , cit. , p. 279): «[O] direito a aceder à cidadania portuguesa e o direito a não ser privado de modo arbitrário da cidadania portuguesa apresentam inevitavelmente uma estrutura muito diferente. Com efeito, ao passo que o primeiro é um direito positivo, exigindo dos poderes públicos uma atitude interventiva, no sentido de criar as condições jurídi- cas para a sua efectivação, o segundo é um direito essencialmente negativo (se não mesmo uma simples garantia daquele primeiro), que visa a defesa contra as intervenções arbitrárias dos mesmos poderes públicos, exigindo-se destes, apenas, que não atentem contra o status dos cidadãos portugueses. Por outras palavras, o direito a obter a cidadania portuguesa é um direito a prestações jurídicas por parte do Estado – a começar pelo Estado-legislador –, enquanto o direito a não ser privado da cidadania portuguesa é um direito a abstenções daquele mesmo Estado (25) [(25) Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, trad., Madrid, 1997, pp. 186 e segs.]. Em consequência, o artigo 26.º da Constituição, no que respeita à dimensão positiva do direito à cidada- nia (como um todo), é uma norma constitucional não exequível por si mesma, carecendo de concretização por parte do legislador ordinário, enquanto, no concernente à dimensão negativa daquele direito, se apresenta como

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