TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
385 acórdão n.º 106/16 proteção diplomática e consular). E, sublinhe-se, os específicos direitos assim conferidos aos cidadãos da União revestem, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a natureza de verdadeiros direitos funda- mentais – a qual decorre da sua inserção, em Título próprio (Título V – Cidadania), na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigos 39.º a 46.º), à qual se atribui hoje o mesmo valor jurídico que os Tratados (cfr. artigo 6.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia) cuja violação – quer pelos Estados membros, quer pela União Europeia, se afigura sindicável. Assim, acrescidamente, esta específica configuração da cidadania da União Europeia, derivando da cida- dania nacional dos Estados-Membros, não deixa de se refletir na relevância que assume – ao menos indireta- mente – para os que pretendam adquirir a nacionalidade portuguesa, enquanto condição (ou qualidade) sine qua non de acesso ao específico estatuto de cidadania europeia. 17. Da fundamentalidade material da cidadania decorre, como vimos, a expressa consagração no texto constitucional da cidadania – enquanto estatuto e enquanto direito fundamental. 17.1. Ao nível constitucional não se encontra a definição de cidadão (nacional). Com efeito, o artigo 4.º da Constituição de 1976 prescreve que «são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam con- siderados pela lei ou por convenção internacional». A par desta expressa remissão da matéria para as convenções internacionais de que Portugal seja parte e para a lei, a Constituição não deixou, no entanto, de rodear o instituto da cidadania portuguesa de importan- tes garantias formais e procedimentais, na medida em que inclui o regime da aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa entre as matérias da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 164.º, alínea f ) , da CRP], e estabelece a forma (agravada) de lei orgânica para o exercí- cio desta competência legislativa parlamentar, com as específicas exigências de tramitação, forma e maioria de aprovação associadas às leis orgânicas (artigos 112.º, n.º 3, 166.º, n.º 2, e 168.º, n. os 4 e 5). Do mesmo modo, é exigida a aprovação parlamentar da matéria em sede convencional [artigo 161.º, alínea i) , da CRP], podendo ainda ponderar-se, nesta sede, se a matéria se inclui na designada «reserva de tratado» solene, não bastando a adoção de um acordo internacional para a respetiva formalização e vinculação do Estado português (neste sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 125); e tendo ainda aplicação um regime especial de fiscalização (preventiva) da constitucionalidade, que confere legitimidade também (além do Presidente da República) ao Primeiro-Ministro ou a um quinto dos Deputados em efetividade de funções (cfr. artigo 278.º, n. os 4, 5 e 6, da CRP). Disto mesmo nos dá conta o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 599/05, de 2 de novembro de 2005 (B, n.º 6.4, disponível, bem como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt ) 17.2. Por outro lado, e desde a revisão constitucional de 1982, é a própria Constituição que expressa- mente afirma a cidadania como um direito fundamental. O direito à cidadania surge consagrado no artigo 26.º, n.º 1 (e n.º 4), da Constituição, a par de outros direitos pessoais: «(…) Artigo 26.º – (Outros direitos pessoais) 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capaci- dade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. (…) 4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.»
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