TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
383 acórdão n.º 106/16 A importância conferida ao direito à nacionalidade pelas fontes de Direito Internacional relevantes, de índole convencional ou outras, pode ser perspetivada sob um de dois prismas essenciais: um prisma que configura a nacionalidade como direito da pessoa humana – em geral ou por referência a uma dada cate- goria particular, como é o caso das crianças ou dos filhos dos trabalhadores migrantes; ou um prisma, em que o direito à nacionalidade reveste porventura maior premência, que consagra a sua protecção com vista à eliminação (ou diminuição) dos casos de inexistência da qualidade de nacional (apatridia) ou à prevenção da sua perda – o que sucede no quadro das diversas convenções em matéria de apatridia, em si mesma con- siderada ou, em especial, considerada na sua relação com o fenómeno da sucessão de Estados. A este prisma pode acrescentar-se um outro, que confere protecção à nacionalidade no quadro das exigências ditadas pelo princípio da igualdade. Integrando estes três grupos de fontes, respetivamente, destacam-se, além das já acima referidas: a Con- venção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução n.º 44/25 da Assembleia Geral da ONU de 20 de novenbro de 1989 e que entrou em vigor em 2 de setembro de 1990 (artigo 7.º, n. os 1 e 2); a Convenção sobre a redução dos casos de apatridia de 30 de agosto de 1961, adotada por uma conferência de plenipoten- ciários em aplicação da Resolução da Assembleia Geral de 896 (IX) de 5 de dezembro de 1954, que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1975 (em especial artigos 1.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1) e a Convenção de Nova Iorque Relativa ao Estatuto dos Apátridas de 28 de setembro de 1954, adotada por uma conferência de ple- nipotenciários reunida em aplicação das disposições da Resolução 526.ª (XVII) do Conselho Económico e Social de 26 de abril de 1954, que entrou em vigor em 6 de junho de 1960 (cfr. artigo 32.º); e, ainda, no qua- dro da ONU, a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, adotada por Resolução da Assembleia Geral da ONU n.º 34/180, de 18 de dezembro de 1979, que entrou em vigor em 3/09/1981 (artigo 9.º, n. os 1 e 2) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Resolução 2106(XX) da Assembleia Geral da ONU e que entrou em vigor em 4 de janeiro de 1969 [artigo 5.º, alínea d) , iii) ]. Sem prejuízo de algumas das fontes mencionadas não vincularem ainda o Estado português – quer por terem a natureza de fonte de Direito Internacional não vinculativa, quer por ainda não terem sido objeto de ratificação e publicação –, as mesmas não deixam de transparecer a significativa relevância dada pelo Direito Internacional dos Direitos do Homem ao direito à aquisição (ou prevenção da perda) da qualidade de nacional de um Estado da comunidade internacional, assim configurando obrigações de meios a cargos dos Estados mediante concretização desses deveres nas respetivas Ordens Jurídicas internas. E, se a vontade em ficar vinculado a tais deveres, por via da vinculação aos instrumentos internacionais convencionais que os consagram é, ainda, uma expressão da soberania estadual na ordem jurídica internacional, a aceitação dessa vinculação, nos moldes previstos pela lei fundamental respetiva, não deixa de conformar heteronomamente a margem de liberdade do legislador nacional na configuração legislativa do regime infra-constitucional apli- cável em matéria de nacionalidade e, do mesmo passo, a interpretação do mesmo no quadro da sua aplicação na ordem jurídica nacional. 16. Na ordem jurídica interna, na ótica do nível constitucional, a Lei Fundamental consagra a inclusão do direito à cidadania no elenco dos direitos fundamentais pessoais a que se refere o artigo 26.º (n.º 1) da Constituição da República Portuguesa de 1976 (na versão que o legislador de revisão lhe conferiu em 1982 – Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro). 16.1. A cidadania, como escreve Jorge Pereira da Silva, «é simultaneamente um estado e um direito. Por um lado, é um status , traduzido num vínculo jurídico que liga de uma forma estável um indivíduo a uma determinada entidade política soberana (na ordem externa), normalmente um Estado (unitário ou federal). Por outro lado, é também um direito de todos os indivíduos, como tal reconhecido por várias convenções internacionais e por muitos textos constitucionais – entre os quais se encontra a Constituição portuguesa, que reconhece à cidadania, no n.º 1 do seu artigo 26.º, a qualidade de direito, liberdade e garantia, com as inerentes
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