TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
382 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL cidadania se tem em consideração o feixe de direitos e deveres que daquela ligação decorrem, ou seja o seu conteúdo. O termo cidadania aparece assim associado ao estatuto de plena participação do indivíduo nos negócios da cidade, o que coloca a tónica no aspeto nacional, interno, deste conceito (cfr. o que dizemos a este propósito in Cidadania, Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, v. I, pp. 824-829). O vocábulo nacionalidade, pelo contrário, ao reportar-se antes à ideia de definição da população constitutiva do Estado, acentua a vertente internacional do conceito, na medida em que atende preferencialmente à delimitação do círculo de pessoas sobre que se exerce a jurisdição pessoal do Estado, traçando pela negativa os limites desta e desenhando por essa via os contornos de outra noção – a de estrangeiro: que é, em relação a qualquer Estado, todo aquele que não está a ele ligado pelo vínculo da nacionalidade» (cfr. Do Direito Português da Nacionali- dade , Coimbra Editora, 1984, nota 1, pp. 4-5). Também Jorge Miranda distingue os conceitos de nacionalidade e de cidadania, preferindo o segundo, pois a cidadania corresponde exatamente à referida qualidade de cidadão, à participação no Estado demo- crático, e que apenas possuem as pessoas singulares, e à sua ligação com o Estado – ao contrário de naciona- lidade, que corresponde à relação com uma Nação e com maior extensão do que aquele ( Manual de Direito Constitucional , Tomo III, 6.ª edição, 2010, pp. 102-103). Daqui também resulta, na esteira do que escreve Gomes Canotilho ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, p. 419), podermos, na análise do conceito, conferir maior relevância à dimensão de participação (cidadania-participação) ou à dimensão de pertença (cidadania- -pertença, muitas vezes associada à ideia de nacionalidade), tendo em atenção que estas diferentes perspetivas não deixam de se complementar na compreensão do conceito em causa. A riqueza do conceito – sobretudo no plano normativo – não se esgota no exposto. A ideia de cidadania enquanto estatuto não pode deixar de ser completada com a ideia de cidadania enquanto direito (sobre esta dupla dimensão: cidadania como status e cidadania como direito fundamental, desde logo, António Mar- ques dos Santos, «Nacionalidade e efectividade» in Estudos de Direito da Nacionalidade, Almedina, 1998, pp. 294-295 e, bem assim, Jorge Miranda, anotação ao artigo 4.º, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constitui- ção Portuguesa Anotada, na sua 1.ª edição, Coimbra Editora, 2005, p. 71; referindo-se à «natureza bifronte» do vínculo da nacionalidade, Rui Moura Ramos, Do Direito Português da Nacionalidade, Biblioteca Jurídica, Coimbra Editora, 1984, p. 117). 15. Na ótica do Direito Internacional e suas fontes, deve começar por sublinhar-se a progressiva ten- dência de reconhecimento expresso e da protecção do direito à nacionalidade enquanto direito da pessoa humana, quer ao nível universal, quer ao nível regional – sendo algumas dessas fontes parâmetro de interpre- tação dos preceitos constitucionais e legais relativos a direitos fundamentais nos temos do n.º 2 do artigo 16.º da CRP (o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem) ou objeto de recepção na Ordem Jurídica Portuguesa, por força do n.º 2 do artigo 8.º da CRP. Com efeito, «(…) no plano do Direito Internacional, universal e regional, regista-se uma tendência para o reconhecimento do direito à nacionalidade como um dos direitos fundamentais do Homem, tendência patente, sucessivamente: na proclamação do direito à nacionalidade pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH – artigo 15.º) (…); no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 (PIDCP – artigo 24, § 3, quanto às crianças)(…); na Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direi- tos dos Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias de 18 de dezembro de 1990(…) (CTM – artigo 29.º, quanto aos filhos dos trabalhadores migrantes)(…); no Projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional (CDI) de 1999 sobre a nacionalidade das pessoas singulares em relação com a sucessão de Estados(…) (artigo 1.º); e, ainda, ao nível regional, na Convenção do Conselho da Europa sobre a nacio- nalidade de 6 de novembro de 1997 [artigo 4.º, em especial alíneas a) e b) ] e na Convenção do Conselho da Europa sobre a prevenção dos casos de apatridia em relação com a sucessão de Estados de 19 de maio de 2006 (art.º 2.º)(…).» (Maria José Rangel de Mesquita, Direitos Fundamentais dos Estrangeiros na Ordem Jurídica Portuguesa: uma perspectiva constitucional, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 13-14).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=