TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

381 acórdão n.º 106/16 cometido com o fim de ilegitimamente obter a nacionalidade portuguesa (…) ou se fosse motivado por ódio aos portugueses enquanto povo» (cfr. fls. 209). Da leitura da sentença recorrida pode retirar-se que do alegado efeito necessário – no sentido de auto- mático – da condenação em crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos decorrem duas consequências que o Juiz entende violadoras das normas e princípios constitucionais por si invocados: desde logo, a impossibilidade de apreciação e ponderação, pelo aplicador, deste fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e, ainda, a falta de ponderação do tempo decorrido sobre a condenação em causa, assim também limitando o aplicador da norma. Desta sentença recorreu o Ministério Público, reportando-se ao alegado efeito necessário, no sentido de automático, da condenação em pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos e à perpetuidade dos efeitos dessa condenação, tendo definido o objeto do presente recurso nos termos supra indicados em I, 2. (cfr. fls. 215). A) Do enquadramento 13. As normas legais – na dimensão interpretativa assinalada – cuja aplicação foi recusada enquadram-se no direito português da nacionalidade, que se pode perspetivar numa tripla ótica, entre si relacionada, de Direito Internacional, de Direito constitucional e de Direito (interno) infraconstitucional que os concretiza. 14. Numa definição primeira (ou clássica) de «nacionalidade» partimos da noção de vínculo jurídico- -político que liga um indivíduo a um Estado, assente na especial relação em que um indivíduo se acha para com a sociedade politicamente organizada a que pertence (na expressão de Luis Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil , 4.ª edição revista, Coimbra, Almedina, 1995, p. 259). Deste primeiro sentido avulta a ideia de uma ligação fundamental do indivíduo ao Estado, resultando desse vínculo a delimitação do povo estadual e mostrando-se, assim, essencial à definição do próprio Estado, enquanto entidade politicamente organizada com substrato territorial e pessoal. Quanto à designação desse vínculo jurídico-político que liga um indivíduo ao Estado verifica-se a utili- zação algo indiferenciada dos termos «nacionalidade» e «cidadania». Com efeito, quer ao nível doutrinário quer ao nível legislativo – como resulta, aliás, do direito compa- rado – as duas expressões têm sido utilizadas, muitas vezes, para referir a mesma realidade. Temos, exempli- ficativamente, a utilização dos vocábulos nationalité e nacionalidad , nos ordenamentos francês e espanhol e citizenship e cittadinanza, nos ordenamentos britânico e italiano, sendo que, entre nós, se o primeiro (nacio- nalidade) é adotado pelo legislador ordinário, já o segundo (cidadania) é claramente preferido pelo legislador constitucional – que o consagra, desde logo, no artigo 4.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Já no plano do direito internacional, universal e regional, o termo nacionalidade é o utilizado nos mais relevantes textos, em especial de índole convencional, que contemplam o referido vínculo (assim sucede, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 15.º) ou, no âmbito regional europeu do Conselho da Europa, com a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade de 6 de novembro de 1997 (artigo 4.º).  Partindo-se desta primeira noção – assente na ideia do referido vínculo jurídico-político –, pode, não obstante, reconhecer-se não se tratar de uma questão de sinonímia entre nacionalidade e cidadania. Algumas diferenças decorrerão, desde logo, da perspetiva assumida na compreensão do próprio conceito. Assim, mesmo para além do que resulte da relativa imprecisão do termo nacionalidade – se referido à ideia de pertença ou ligação à realidade histórica ou sociológica de nação – e que possa justificar a sua prete- rição a favor do uso do termo cidadania, releva sobretudo, nas palavras de Moura Ramos, «precisar que eles não são em absoluto coincidentes, reportando-se antes a diferentes perspetivas de encarar uma só relação. Assim pode dizer-se que enquanto o termo nacionalidade se limita a acentuar a ideia de ligação de um indi- víduo a uma unidade estatal, sublinhando deste modo o vínculo que o une ao Estado, já quando se fala em

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