TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
378 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de “comunidade nacional?” (José Joaquim Gomes Canotilho, fls. 24-25 do Parecer junto aos autos do Processo n.º 11851l0.3BELSB deste Tribunal). Estava, pois, o réu dispensado, por força da referida presunção, de provar a existência de ligação efectiva à comunidade portuguesa, que alegou na declaração da vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa. Apesar disso, o réu, sem estar a isso obrigado, provou que é casado com uma nacional portuguesa desde o dia 22 de outubro de 2005, tem dois filhos de nacionalidade portuguesa; nascidos em território português, onde vive desde 1976, é motorista na empresa C. desde 1 de abril de 2004 ( vide o probatório). Tais presunção e prova não são abaladas pelo facto de o ora réu ter sido condenado na pena de um ano de prisão, suspensa por um ano, no longínquo ano de 1992, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido em 1985, condenação que já não consta do registo criminal do réu ( vide o probatório). Tratou-se, com efeito, de um facto isolado, ao que parece (já que não consta que o réu tenha voltado a cometer qualquer crime), a que, a avaliar pela duração da pena concretamente imposta (um ano) e pela circunstância de ela ter sido suspensa, corres- pondeu pequena gravidade, em concreto, do facto (atendendo ao valor dos objectos furtados) ou uma culpa leve, sem esquecer outras circunstâncias que foram ponderadas na decisão, tais como a idade do réu à data dos factos, as necessidades de reinserção social (cfr. fls. 94 a 99 dos autos do processo físico), e que, em todo o caso, qualquer indivíduo de nacionalidade portuguesa “atribuída” ou “adquirida” poderia cometer, sem que se pusesse a hipótese de o agente perder a nacionalidade portuguesa, por ter, supervenientemente, perdido “ligação efectiva à comuni- dade nacional” em virtude da condenação. Verifica-se, por este conjunto de razões, o pressuposto da “ligação efectiva à comunidade nacional”. 2.2 – Quanto às consequências da alegada condenação do réu em pena de prisão de máximo igual a três anos Na sentença penal afirma-se que ao crime por que o aqui réu foi condenado corresponde uma moldura penal abstracta de 40 dias a 4 anos (cfr. fls. 97 dos autos do processo físico), sendo que ao arguido vinha imputado o crime de furto qualificado previsto pelos artigos 296.º, 297.º, n. os 2, al. c) , d) e h) , e 3, e 299.º do Código Penal (CP), na redação vigente à data dos factos, e punível com prisão de 1 a 10 anos. Pareceria, assim, que estaria preenchido o pressuposto das al. b) do artigo 9.º da LN e b) do n.º 2 do artigo 56.º do RN, segundo as quais constitui fundamento de oposição “a condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igualou superior a três anos, segundo a lei portuguesa”. A questão, no entanto, só na aparência é simples. Porquê? Nos termos do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”, sendo que “os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativa privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução” (n.º 5 do artigo 30.º cit.). Por direitos “civis” deve entender-se, neste contexto, direitos de que o indivíduo é titular enquanto cidadão, enquanto membro da civitas (da cidade/comunidade política) – na circunstância enquanto membro da República portuguesa. A nacionalidade é espécie desse género de direitos, por isso que é um direito fundamental de natureza pessoal (artigo 26.º, n. os 1 e 4, da Constituição; vide neste sentido J. J. Gomes Canotilho no Parecer cit. ). A garantia do direito fundamental à nacionalidade abrange tanto o direito de não perder a nacionalidade portuguesa de que se é titular quanto o direito de adquirir ex novo a nacionalidade portuguesa: nada autoriza a afirmar que o direito à “cidadania” ou à nacionalidade a que o artigo 26.º, da Constituição se refere seja só o direito à nacionalidade de que se é já titular e não também o direito a adquirir ex novo ; pelo contrário, resulta do n.º 1 do mesmo artigo que o direito fundamental à nacionalidade é, aqui, entendido, aliás de harmonia com os textos de direito internacional vigentes na matéria, como um direito humano e, como tal, um dado supralegal, anterior e independente da lei escrita e não uma criação do legislador constitucional, que se limita a “reconhecê-lo”. Suprimir um direito fundamental ou impedir, ilegitimamente, que ele entre na esfera de uma pessoa não será a mesma coisa? A liberdade de conformação do legislador ordinário não vai ao ponto de o autorizar a criar normas inconstitucionais. Ora é óbvio que o impedimento de adquirir a nacionalidade portuguesa, decorrente da condenação em pena de prisão de máximo igualou superior a três anos é um efeito “necessário”, no sentido de efeito automático da
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=