TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conteúdo do direito fundamental à cidadania (enquanto direito fundamental de natureza pessoal) e do regime que lhe é associado enquanto direito, liberdade e garantia, para além do dever de pondera- ção dos demais valores constitucionais relevantes, subjazendo-lhe, ainda e necessariamente, o respeito pelos princípios de Direito Internacional, de que avulta (para além do direito de aceder a uma nacio- nalidade e a dela não ser privado) o princípio da ligação efetiva entre o indivíduo e a comunidade politicamente organizada em que se integra. IV – Os fundamentos previstos na lei para a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa constituem pressupostos (negativos) do direito à aquisição da cidadania, não deixando, mesmo configurados como causas obstativas à aquisição da nacionalidade portuguesa, de corresponder ao desiderato de preenchi- mento dos critérios de conexão relevantes, ponderados pelo legislador, para o reconhecimento de uma ligação efetiva e genuína do requerente à comunidade nacional – base do vínculo jurídico-político a constituir e da ideia inclusiva que o informa. V – Do regime legal resulta que, na regulação dos critérios e pressupostos da nacionalidade derivada (por efeito da vontade e da adoção e por naturalização), o legislador atribuiu relevância, como pressuposto de facto, à condenação em pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, procurando assim obstar, em certa medida, a que aqueles que, por via da prática daqueles crimes, judicialmente aferida, ofenderam os bens jurídicos a que a comunidade nacional entendeu conferir uma tutela jurídico-pe- nal traduzida numa moldura penal de máximo igual ou superior a três anos, integrem a comunidade cujos bens (assim) tutelados não respeitaram, podendo conceber-se que a opção do legislador quanto ao fundamento de oposição da aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade e da adoção em causa (que igualmente vale na aquisição da nacionalidade por naturalização) corresponde, ainda, à densificação do vínculo de ligação efetiva entre a pessoa e o Estado (português) que baseia a cidadania. VI – Ora, este pressuposto (negativo) de aquisição da nacionalidade portuguesa, mesmo sendo um efeito ex lege das normas legais em causa, não se mostra proibido pelo princípio contido no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição; com efeito, e se por expressa opção da Constituição, a configuração do vínculo jurí- dico da cidadania é remetida ao legislador – na sua dimensão política e ius fundamental –, a definição (legal) dos respetivos critérios, pressupostos e regime mostra-se essencial à própria densificação do direito fundamental à cidadania, assente no estabelecimento do vínculo de uma pessoa com a comu- nidade politicamente organizada ( v. g. , Estado) em que se inclui; cabe, assim ao legislador – e não à Administração ou aos Tribunais – a ponderação e a escolha dos critérios e pressupostos da atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa, competência que não pode deixar de exercer, pois decorrente de uma verdadeira imposição constitucional. VII – É que, para mais, sendo a tarefa de enunciação dos critérios e pressupostos para a atribuição e aquisição da cidadania não apenas constitucionalmente cometida como também constitucionalmente reservada ao legislador – e em absoluto ao legislador parlamentar – mostra-se, prima facie , justificada a opção por um critério objetivo (partindo da condenação por crimes cuja moldura penal se fixou a partir de determinado limite), que resulta da ponderação do próprio legislador (por via geral e abstrata) e não da ponderação, em cada caso, pelo aplicador da norma – ainda que ao nível judicial; não se trata, assim, de conferir à pena (ou à condenação) um efeito proibido pela Constituição, mas de uma competência exer- cida pelo legislador ordinário nos termos em que a Constituição o habilita a definir os critérios de acesso à cidadania (naturalmente, nos limites do direito internacional e constitucional relevante), refletindo a ponderação, em abstrato, dos factos e razões relevantes para o estabelecimento daqueles critérios, pelo que não procede, in casu , a invocação do princípio contido no artigo 30.º, n.º 4, Constituição.

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