TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
368 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Sobre este artigo 105.º da CRP, escreveu-se no Acórdão n.º 414/11: «[…] [T]em uma dupla dimensão, interna e externa. Diretamente dispõe (dimensão interna) sobre o modo como deve ser organizado o Orçamento do Estado. Mas também impede (dimensão externa) que leis ordinárias com incidência orçamental contenham disposições atentatórias das regras e princípios nele consagrados. […] Dos n. os 1 e 3 do artigo 105.º da Constituição extrai-se o princípio da plenitude do Orçamento do Estado que comporta dois aspetos ou subprincípios intimamente relacionados: o princípio da unidade – o orçamento deve ser apenas um ( i. e. , único) e o princípio da universalidade – todas as receitas e todas as despesas para determinado período financeiro devem ser inscritas nesse orçamento. O Orçamento do Estado compreende todas as receitas e despesas do Estado, em termos globais, incluindo a discriminação das receitas e das despesas dos fundos e serviços autónomos e do sistema de segurança social (‘um só orçamento, tudo no orçamento’). A regra da universalidade visa evitar a exclusão de receitas e despesas da previsão orçamental, assegurando a racionalidade e a transparência financeira e o controlo político da atividade governativa de que o Orçamento é instrumento primordial (Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4.ª edição, p.149). […] [O orçamento deve] ser elaborado “tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou de contrato”, conforme determina o n.º 2 do artigo 105.º da Constituição, pelo que se a despesa correspondente não for adequadamente inscrita tal será obra da Lei do Orçamento e não do ato normativo que institui a receita ou a despesa. […]». Assim, as exigências do n.º 2 do artigo 105.º da CRP não serão satisfeitas se houver despesas impostas por lei ou por contrato que não tenham sido adequadamente inscritas no orçamento. Mas – e aqui chegamos à questão central do presente recurso – a norma constitucional em causa não visa estabelecer a força jurídica absoluta ou relativa da lei ou do contrato. Dela apenas resulta que as despesas decorrentes de obrigações pre- vistas em lei ou contrato – no que implicitamente vai afirmado que tais obrigações existem na exata medida da validade e eficácia das respetivas normas legais e disposições contratuais – devem ser consideradas na elaboração do orçamento. Assim, saber se uma certa obrigação existe ou determinar o seu montante é questão que pre- cede a aplicação da regra do n.º 2 do artigo 105.º da CRP. Daí que – deixando de parte a questão de saber se é necessária a direta previsão no Orçamento do Estado das despesas de empresas do setor público com comple- mentos de pensões (cfr., atualmente, o artigo 2.º, n.º 1, da Lei de Enquadramento Orçamental, aprovado pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, e, por referência ao OE2014, os artigos 2.º, n.º 3, alínea a) , 10.º, n.º 2, alínea e) , e 37.º, n.º 1, alínea q) , da anterior Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto) –, daí que, dizíamos, estabelecendo-se que, face às normas constitucionais que protegem os interesses dos beneficiários de pensões, não estava vedado ao legislador suprimir o pagamento dos complementos de pen- sões nas condições previstas no artigo 75.º da LOE2014 (conclusão à qual se chegou no Acórdão n.º 413/14), não será por via do disposto no artigo 105.º, n.º 2, da CRP que se alcançará uma conclusão diferente. 2.4. Em suma, pelos fundamentos do Acórdão n.º 413/14, para o qual se remeteu, e ainda pelos demais fundamentos supra referidos, não será declarada a inconstitucionalidade do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro. Antes de formular tal decisão – bem como a de não conhecimento parcial do objeto do recurso – aqui se deixam sumariados os passos centrais do percurso argumentativo deste acórdão: «(…) I – Uma das condições do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade é a aplicação, na decisão recorrida, enquanto ratio decidendi , da norma tida por inconstitucional pelo recorrente, desde que essa aplicação tenha ocorrido na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de recurso;
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