TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
360 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL assegurar, de forma permanente e definitiva, o cumprimento dessas responsabilidades. Cessando o pressuposto de solvabilidade de que depende o pagamento dos complementos, deixa igualmente de ser legítima a expectativa referente à continuidade da sua atribuição. 60. No caso de empresas cujo capital seja participado, maioritariamente ou não, por entidades públicas – como as que são abrangidas pela previsão do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 –, há ainda que atender às especiais exigên- cias postas pelo princípio da neutralidade competitiva dos poderes públicos. Isto vale, pelas razões anteriormente indicadas, sobretudo para as empresas públicas reclassificadas, mas atento o aludido risco de reclassificação, tam- bém não é irrelevante quanto às que (ainda) não sejam reclassificadas. A Constituição garante a coexistência do setor público, do setor privado e do setor cooperativo e social de pro- priedade dos meios de produção [artigo 80.º, alínea b) ] e a liberdade de iniciativa e organização no quadro de uma economia mista [artigo 80.º, alínea c) ]. Por outro lado, incumbe prioritariamente ao Estado, no âmbito económico e social, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral [artigo 81.º, alínea f ) ]. Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, as três formas de iniciativa são concorrenciais nas áreas em que “coabitam”, não podendo o poder público tirar proveito da sua condição e dos seus poderes públicos para criar vantagens para as suas empresas ( Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 958). O princípio da concorrência não exclui as empresas públicas e a ordenação constitucional da economia garante a existência de um setor público mais ou menos extenso. Todavia, a ordem constitucional económica impede que as empresas que fazem parte do setor público empresarial sejam favorecidas pelo Estado relativamente às suas concorrentes de outros setores ( idem, p. 970). Portanto, o Estado-legislador não pode deixar de cumprir os imperativos da constituição económica mesmo em relação às empresas do setor público empresarial. De resto, no estrito plano das regras de concorrência, torna-se tão relevante o desvalor das medidas legislativas que atri- buam exclusivos ou privilégios às empresas públicas que atuem em economia de mercado, como, inversamente, o daquelas que imponham encargos ou sujeições às empresas públicas que se tornem suscetíveis de distorcer o funcionamento do mercado. Isso mesmo encontra-se consagrado no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 133/2013 (que, neste particular, não inovou substancialmente relativamente ao que dispunha o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 558/99, desde a sua reda- ção originária): “1 – As empresas públicas desenvolvem a sua atividade nas mesmas condições e termos aplicáveis a qual- quer empresa privada, e estão sujeitas às regras gerais da concorrência, nacionais e de direito da União Europeia. 2 – As relações estabelecidas entre as entidades públicas titulares do capital social ou estatutário e as empre- sas públicas detidas ou participadas processa-se em termos que assegurem a total observância das regras da con- corrência, abstendo-se aquelas entidades de praticar, direta ou indiretamente, todo e qualquer ato que restrinja, falseie ou impeça a aplicação destas regras.” Por ser assim, as empresas públicas também estão submetidas à Lei da Concorrência, tal como as empresas participadas ou as demais empresas privadas, não lhes podendo ser atribuídos auxílios públicos indevidos (arti- gos 2.º, 4.º, n.º 1, e 65.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio; e também, quanto às empresas locais, o artigo 34.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, e, quanto às empresas participadas, o artigo 14.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro). Isto, naturalmente, sem prejuízo de eventuais missões particulares que lhes tenham sido confiadas (artigo 4.º, n.º 2, da Lei da Concorrência). O conceito de “auxílio público” corresponde grosso modo ao de apoios, incluindo as transferências correntes e de capital, e a cedência de património público, concedidos a título de subvenção pública (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 64/2013, de 27 de agosto, que regula a obri- gatoriedade de publicitação dos benefícios concedidos pela Administração Pública a particulares).
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