TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

359 acórdão n.º 103/16 Por outro lado, as empresas públicas regem-se prevalecentemente pelo direito privado e desenvolvem a sua atividade nas mesmas condições e termos aplicáveis a qualquer empresa privada, impondo-se nas relações estabe- lecidas entre as entidades públicas titulares do capital social ou estatutário e as empresas públicas detidas a total observância das regras da concorrência (artigos 14.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 133/2013). As especificidades que se poderão observar decorrem unicamente de certas condicionantes de direito público que implicam um regime especial de orientação e controlo externo, que é essencialmente realizado por via do exercício da função acionista. O que não impede que as empresas públicas, enquanto pessoas jurídicas distintas do Estado ou das entidades públicas que detêm a influência dominante, realizem os seus interesses próprios (sociais e estatutários) e atuem segundo opções autónomas dos respetivos dirigentes. Por outro lado, estes mesmos princípios eram aplicáveis no quadro do precedente regime empresarial do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro – agora revogado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013 –, e no domínio do qual terão sido contratualizados os complementos de pensão a que se referem as normas do artigo 75.º da LOE de 2014. Nesse sentido, há que reconhecer um distanciamento das empresas públicas face à «entidade pública mãe» que não tem paralelo com o que resulta da criação de entidades públicas de administração indireta, as quais são instituídas num contorno de direito administrativo e que se encontram submetidas a um regime jurídico público de orientação e controlo (a superintendência e a tutela). Ora, pela sua própria natureza, o artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, sem prejuízo da sua função e consequente relevância orçamental, respeita à regulação da matéria conexionada com o endividamento e a autos sustentabili- dade das empresas públicas e enquadra-se no relacionamento jurídico de âmbito societário entre as sociedades de mão pública e os seus sócios públicos. Nessa mesma medida, tal preceito também postula uma separação e uma distância entre o Estado-legislador e o Estado-empresário, retirando desse modo base para a imputação ao primeiro de uma eventual situação de confiança criada pelo segundo. Os critérios de gestão que permitiram a atribuição dos complementos de pensão são totalmente estranhos às razões que ditam a suspensão do seu pagamento nos termos do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013. Por outro lado, não existe qualquer evidência de que tenha sido o Estado-administrador, enquanto titular da função acionista, a induzir as empresas visadas a formalizar, através de contratação coletiva, o pagamento de com- plementos de pensão. 59. No tocante ao segundo teste de aplicação do princípio da tutela da confiança legítima – a legitimidade, justificação e as boas razões das expectativas de quem confia – a resposta também não é positiva. Em primeiro lugar, há que ter presente a natureza não retributiva dos complementos em questão, conjugada com a circunstância de também não serem devidos nos termos da legislação sobre segurança social. Trata-se, com efeito, de prestações que acrescem às pensões já atribuídas pelo sistema previdencial da segurança social, pela CGA ou por outro sistema de proteção social – sistemas esses de natureza contributiva, porque têm na sua base uma relação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir do trabalhador e o direito deste às prestações (artigo 54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) – e que são financiadas diretamente pelas próprias empresas. Daí a sua qualificação como meros benefícios que não constituem nem retribuição nem pensão legalmente devida nos termos da legislação sobre segurança social. A sua justificação, numa estrita racionalidade empresarial, é a de par- tilhar com o fator trabalho os resultados positivos da empresa. Tal benefício pode fazer sentido na ótica da gestão global da empresa, mas implica sempre uma partilha de rendimentos que à partida, e numa estrita racionalidade empresarial, não têm de ser alocados ao fator trabalho. Apurando-se resultados líquidos negativos, o pagamento do benefício em causa agrava o prejuízo e compro- mete a viabilidade económica e financeira da empresa. A prazo, o seu pagamento torna-se não apenas insustentável, como põe em causa a própria subsistência da empresa, já que os resultados negativos transitados abatem ao capital próprio da empresa, descapitalizando-a e diminuindo o seu valor patrimonial líquido. Na medida em que os complementos de pensão se processam no âmbito interno da empresa e a garantia do seu pagamento depende das receitas correntes, existe um efetivo risco – que os beneficiários e as organizações repre- sentativas dos trabalhadores não podem desconhecer – de a empresa poder ficar sem condições financeiras para

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