TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
358 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Questões de constitucionalidade Violação do princípio da confiança 57. No que respeita ao princípio da proteção da confiança, corolário do princípio do Estado de direito demo- crático, e que constitui o lado subjetivo da garantia de estabilidade e segurança jurídica, este Tribunal tem uma jurisprudência constante e reiterada (cfr., em especial, a formulação do Acórdão n.º 128/09, reiterada em nume- rosas decisões posteriores). A aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela: em primeiro lugar, as expectativas de estabilidade do regime jurídico em causa devem ter sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; elas devem, igualmente, ser legítimas, ou seja, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico- -constitucional; por fim, o cidadão deve ter orientado a sua vida e feito opções, precisamente, com base em expec- tativas de manutenção do quadro jurídico. Dados por verificados esses requisitos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração. Com efeito, para que a situação de confiança seja constitucionalmente protegida, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. 58. No caso em apreço, para aferir do respeito daquele princípio por parte do legislador, cumpre considerar eventuais situações de confiança correspondentes à expectativa de continuidade do pagamento dos complementos de pensão fundadas em contrato individual de trabalho ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Contudo, em ambas as hipóteses podem suscitar-se dúvidas quanto à imputação da situação de confiança ao Estado, mormente ao Estado-legislador. Com efeito, e desde logo, o compromisso ou a assunção da responsabili- dade é da empresa, não do Estado diretamente. Acresce que, relativamente às empresas participadas e às empresas do setor empresarial local – qualquer uma destas duas categorias de empresas integra o setor público empresarial a que se refere o n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 – o Estado, mesmo que considerado enquanto mero acionista, não exerce uma influência domi- nante. Consequentemente, nem sequer se pode falar, ainda que indiretamente, em comportamento estadual. É o primeiro teste de aplicação do princípio de proteção da confiança que dá um resultado negativo. Com efeito, relativamente a essas situações, verifica-se que o autor da norma – o Estado nas suas vestes de legislador – não ence- tou qualquer comportamento capaz de gerar nos trabalhadores expectativas de continuidade. Quem o fez foram empresas dominadas e controladas por entidades públicas na órbita da administração autárquica – que detém auto- nomia em relação ao Estado central – como é o caso das empresas locais (artigo 19.º, n.º 4, da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto); ou empresas dominadas e controladas por particulares – e, como tal, fruto da liberdade de iniciativa económica, como é o caso das empresas participadas (artigo 14.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 133/2013). Mas mesmo no respeitante às empresas públicas do setor empresarial do Estado – sociedades de capitais maio- ritária ou exclusivamente públicos e entidades públicas empresariais –, não é possível pura e simplesmente descon- siderar a respetiva personalidade e autonomia. No setor empresarial do Estado, a função acionista é exercida pelo titular da participação social, que, no caso das empresas públicas, cabe ao membro do Governo responsável pela área das finanças, em articulação com o membro do Governo responsável pelo respetivo setor de atividade, e integra, designadamente, poderes de definição das orientações a aplicar no desenvolvimento da atividade empresarial reportada a cada triénio e de definição dos objetivos e resultados, em especial, económicos e financeiros, a alcançar em cada ano e triénio, no respeito pelas orientações estratégicas e sectoriais que tenham sido emitidas pelo Governo no exercício da sua função política (artigos 37.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 133/2013). O conteúdo e o exercício da função acionista não interfere, no entanto, com a autonomia de gestão da empresa pública e os titulares dos órgãos de administração gozam de liberdade de conformação quanto aos métodos, mode- los e práticas de gestão concretamente aplicáveis ao desenvolvimento da respetiva atividade (artigo 25.º do Decre- to-Lei n.º 133/2013).
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