TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
353 acórdão n.º 103/16 repartição intergeracional e intrageracional, merecendo por isso o mesmo destino que as normas que esti- veram em apreciação no Acórdão n.º 862/13 desse Tribunal, isto é, a declaração de inconstitucionalidade por violação do princípio da proteção da confiança; g) Mas, para além disso, aquelas normas do artigo 75.º da LOE 2014 violam também o princípio da igual- dade. Visivelmente, o legislador isolou categorias ou classes específicas de pensionistas, com apenas algu- mas dezenas ou poucas centenas de pessoas e introduziu diferenciações que nem sequer parecem ter um fundamento racional, desse modo violando a versão mais elementar do princípio geral da igualdade como proibição do arbítrio; h) Designadamente, a norma prevista no n.º 3 do artigo 75.º da LOE 2014 tem consequências demolidoras para os trabalhadores já reformados e pensionistas do Metropolitano de Lisboa e A., conduzindo, pelo menos ao nível do Metropolitano de Lisboa, a cortes no valor total bruto da pensão recebida que pode ultrapassar os 60%; i) Ora, é inequívoco que é o Estado que define os objetivos das empresas do setor público empresarial e que condiciona/aprova a política tarifária, no entendimento, partilhado por todos os governos, de que as tarifas praticadas em redes urbanas de grandes cidades têm sempre uma componente social que não permite cobrir os custos de produção do transporte; j) Por conseguinte, a existência de resultados líquidos negativos não é imputável aos trabalhadores ou aos ex-trabalhadores, que nada poderiam fazer para que eles fossem ou deixassem de ser negativos. Nesse contexto, escolher como “razão” ou critério da diferenciação entre grupos de pensionistas a circunstância da existência ou não de resultados líquidos negativos da respetiva empresa torna a medida completamente arbitrária e remete-a para o domínio da irracionalidade; l) As normas do artigo 75.º da LOE 2014 violam também o princípio da proporcionalidade. Desde logo porque, conforme se alegou a propósito do artigo 33.º, o próprio legislador, pelos seus comportamentos noutras zonas da política orçamental, mostra que existe margem para medidas alternativas menos drásticas para estas categorias específicas de beneficiários da proteção social. Consequentemente, há violação do segmento da necessidade; m) O número de trabalhadores afetados pelas medidas em apreço não permite que se considere que está aqui em causa o cumprimento dos acordos internacionais que têm servido de justificação às medidas penaliza- doras dos rendimentos do trabalho e das pensões, nem assumem qualquer dimensão digna de nota quanto à sustentabilidade da segurança social. Não se trata manifestamente de uma medida idónea, indispensável, ou proporcional; n) E há também violação do segmento da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que o sacrifício imposto, particularmente quando analisado pelo ângulo individual de cada uma das pessoas atingidas, é de tal forma intenso que não é justificado pela obtenção de ganhos de consolidação orçamental manifesta- mente escassos; o) Segundo o n.º 7 do artigo 75.º, o regime fixado tem natureza imperativa, enquanto se verificarem as condi- ções nele estabelecidas, prevalecendo sobre contratos de trabalho ou instrumentos de regulação coletiva de trabalho e quaisquer outras normas legais, especiais ou excecionais, em contrário, não podendo ser afastado ou modificado pelas mesmas. É assim posto em causa o direito de contratação coletiva (artigo 56.º, n.º 3, da Constituição), na medida em que são revogadas normas livremente acordadas entre as partes e é afastada a possibilidade de negociações futuras sobre a matéria. Âmbito e alcance do artigo 75.º 50. A previsão do artigo 75.º reporta-se diretamente às empresas do setor público empresarial que tenham apresentado resultados líquidos negativos «nos três últimos exercícios apurados, à data de entrada em vigor da» Lei n.º 83-C/2013, e determina, observados determinados pressupostos, a suspensão do pagamento de complementos às pensões atribuídas por sistemas de proteção social, nomeadamente pelo sistema previdencial da segurança social
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