TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

347 acórdão n.º 103/16 Ora, a citada norma do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, viola, desde logo, o princípio contido nessa norma, porquanto o Estado Português, estando obrigado, pelas Diretivas alegadamente transpostas para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 225/89, a criar medidas de salvaguarda dos direitos dos trabalhadores aos complementos de pensões previstos em regimes complementares, não só não tomou tais medidas como emitiu norma legal interna destinada a suprimir esses direitos em relação aos trabalhadores de determinadas empresas do setor público. Fazendo-o, alegadamente, por essas empresas terem apresentado resultados líquidos negativos nos três últimos exercícios apurados à data de entrada em vigor dessa Lei. Ora, esta definição, em relação a empresas como a requerida, A., é falaciosa e visa transferir para os trabalha- dores e reformados dessas empresas uma responsabilidade e um ónus que não lhes cabem. Em boa verdade não cabem, sequer, aos responsáveis diretos pela gestão dessa Empresa. Falar-se em resultados líquidos negativos em relação a esta empresa, como fundamento de restrição ou supres- são de um direito fundamental dos trabalhadores é, em grande medida, como fazê-lo em relação a quaisquer servi- ços da Administração Pública que, por prestarem um serviço público, são financiados, total ou parcialmente, pelos impostos, tal como acontece, por exemplo, com os serviços públicos de saúde ou da justiça, cujas taxas pagas pelos utentes são, por opção política baseada em razões sociais, insuficientes para o seu financiamento. Como é do conhecimento geral, porque a situação destas empresas não influía no défice aparente do Orça- mento do Estado, foi-lhes imputada, pelo Estado, a responsabilidade deste pelo financiamento dos serviços públi- cos prestados, por razões sociais, a preços inferiores ao seu custo, fixados administrativamente, como forma de assegurar o direito das populações à mobilidade e ao transporte sem reflexos naquele Orçamento. Aliás, grandes empresas privadas que operam no setor de transportes públicos coletivos, no âmbito das quais vigoram também convenções coletivas que conferem o direito a complementos de pensões, teriam igualmente um resultado líquido negativo se não recebessem do Estado subsídios – financiados pelos impostos – destinados a cobrir o custo social dos serviços que prestam. Trata-se, portanto, de medida legislativa que não tem por fundamento qualquer justificação assente na situação concreta ou no merecimento dos trabalhadores do Setor Empresarial do Estado, mas unicamente o objetivo de redução da despesa pública e de aumento das receitas do Estado, com vista à resolução de um problema nacional – o desequilíbrio orçamental e o crescimento exponencial da dívida pública – com o qual os referidos trabalhadores não têm qualquer relação específica, não tendo, nomeadamente, contribuído de forma especial para a criação desse problema relativamente aos demais cidadãos que beneficiam de direitos análogos. E trata-se, também, de medida de caráter permanente, uma vez que, pelas razões acabadas de expor, jamais poderá ser atingida a condição prevista no n.º 6 do citado artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 – ‘O pagamento de complementos de pensão é retomado num contexto de reposição do equilíbrio financeiro das empresas do setor público empresarial, após a verificação de três anos consecutivos de resultados líquidos positivos’. Não existe fundamento que justifique o sacrifício especial e desproporcionado desses trabalhadores, que cons- titui, assim, uma discriminação infundada, como acontece com os trabalhadores representados pelo recorrente, que, para além da sua sujeição à contribuição extraordinária de solidariedade a que estão transitoriamente sujeitos os demais reformados e aposentados, viram a sua pensão reduzida, havendo casos em que tal redução atingiu 60% do total do rendimento desses trabalhadores. 6.ª – Pelo que tal medida viola, também, o princípio da igualdade dos cidadãos, previsto no artigo 13.º da CRP, porquanto penaliza especialmente, de forma brutal e desproporcionada, os trabalhadores de algumas empre- sas públicas em relação à generalidade dos demais trabalhadores e pensionistas, inclusive em relação aos demais trabalhadores e pensionistas do setor público administrativo e empresarial. 7.ª – E viola também, claramente, o princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da CRP. Note-se que, recentemente, uma medida legislativa que tinha em vista reduzir, em cerca de 10%, as pen- sões de aposentação dos funcionários públicos com fundamento, alegadamente, no facto de essas pensões serem,

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