TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
345 acórdão n.º 103/16 Estes trabalhadores reformados incumpriram os seus contratos de crédito, deixaram de comprar medicamentos essenciais à sua própria sobrevivência, deixaram de prestar alimentos a quem deles carecia, alguns faliram no dia 1 de janeiro de 2014, por força das normas em causa. 8. Esta medida do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 viola, igualmente, o direito de negociação coletiva esta- belecido no artigo 56.º, n.º 3, da CRP, porquanto, ofendendo também o direito fundamental dos trabalhadores à segurança social, tal direito foi adquirido, no caso concreto, através do exercício do direito de negociação coletiva. Como se referiu já, os direitos fundamentais podem sofrer restrições. Mas tais restrições hão de ser fundadas em necessidades impreteríveis de salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos, o que não se verifica no caso sub judice . Importa notar que, além do mais, esta medida, em função do reduzido universo dos seus destinatários, teria uma expressão muito reduzida no tocante às preocupações de redução da dívida pública e do défice orçamental mas produz efeitos devastadores na vida dos seus destinatários, como acontece com os trabalhadores representados pelo recorrente. Como se disse, com tal medida, centenas de reformados e outros pensionistas ficaram já, desde de 1 de janeiro de 2014, abaixo do limiar de subsistência e em situação de incumprimento de obrigações anteriormente assumidas que poderá vir a pôr em causa outros direitos fundamentais, como o direito à habitação. Também recentemente, o Tribunal Constitucional declarou, através do seu Acórdão n.º 602/13, a inconstitu- cionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos números 2, 3 e 5 do artigo 7.º, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56.º, n. os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição. Ora, se é certo que, na ponderação dos interesses conflituantes do direito constitucional à negociação coletiva com o interesse público alegadamente visado nas referidas normas, o Tribunal Constitucional conferiu prevalência àquele direito, parece inegável, também por maioria de razão, que à luz dessa ponderação, a norma do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 tem de considerar-se igualmente inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56.º, n. os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição. 9. Acresce que, nos termos do artigo 105.º, n.º 2, da CRP, na elaboração do Orçamento do Estado há que ter em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato. Ora, esta norma, que está intimamente relacionada com o princípio da proteção da confiança, não pode, também, ser postergada com fundamento em objetivos como os que estão subjacentes ao citado artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013. «Os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por compor- tamentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal» (cfr. Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estrutu- rantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004) Assim, a suspensão do pagamento do complemento de pensão dos trabalhadores representados pelo recor- rente, operada pela Requerida, é ilícita, uma vez que a norma legal em que se fundamenta – o artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 – é manifestamente inconstitucional, porquanto viola direitos fundamentais dos trabalhadores e reformados e outros pensionistas dela destinatários, sem respeito dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Sendo certo que, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º da CRP, os preceitos constitucionais respeitantes aos direi- tos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. Conclusões:
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