TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

336 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito: 6.ª – Como o recorrente referiu na sua Petição Inicial, a citada norma do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, viola ainda o princípio contido no artigo 8.º da CRP, porquanto o Estado Português, estando obrigado, pelas Diretivas alegadamente transpostas para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 225/89, a criar medidas de salvaguarda dos direitos dos trabalhadores aos complementos de pensões previstos em regimes com- plementares, não só não tomou tais medidas como emitiu norma legal interna (o referido artigo 75.º do OE2014) destinada a suprimir esses direitos em relação aos trabalhadores de determinadas empresas do setor público. 7.ª – Fazendo-o, alegadamente, por essas empresas terem apresentado resultados líquidos negativos nos três últimos exercícios apurados à data de entrada em vigor dessa Lei. 8.ª – Ora, esta definição, em relação a empresas como a recorrida, é falaciosa e visa transferir para os trabalha- dores e reformados dessas empresas uma responsabilidade e um ónus que não lhes cabem. Em boa verdade não cabem, sequer, aos responsáveis diretos pela gestão dessa Empresa. 9.ª – Falar-se em resultados líquidos negativos em relação a esta empresa, como fundamento de restrição ou supressão de um direito fundamental dos trabalhadores é, em grande medida, como fazê-lo em relação a quaisquer serviços da Administração Publica que, por prestarem um serviço público, são financiados, total ou parcialmente, pelos impostos, tal como acontece, por exemplo, com os serviços públicos de saúde ou da justiça, cujas taxas pagas pelos utentes são, por opção política baseada em razões sociais, insuficientes para o seu financiamento. 10.ª – Como é do conhecimento geral, porque a situação destas empresas não influía no défice aparente do Orçamento do Estado, foi-lhes imputada, pelo Estado, a responsabilidade deste pelo financiamento dos serviços públicos prestados, por razões sociais, a preços inferiores ao seu custo, fixados administrativamente, como forma de assegurar o direito das populações à mobilidade e ao transporte sem reflexos naquele Orçamento. 11.ª – Trata-se, portanto, de medida legislativa que não tem por fundamento qualquer justificação assente na situação concreta ou no merecimento dos trabalhadores do Setor Empresarial do Estado, mas unicamente o obje- tivo de redução da despesa pública e de aumento das receitas do Estado, com vista à resolução de um problema nacional – o desequilíbrio orçamental e o crescimento exponencial da dívida pública – com o qual os referidos trabalhadores não têm qualquer relação específica, não tendo, nomeadamente, contribuído de forma especial para a criação desse problema relativamente aos demais cidadãos que beneficiam de direitos análogos. 12.ª – E trata-se, também, de medida de caráter permanente, uma vez que, pelas razões acabadas de expor, jamais poderá ser atingida a condição prevista no n.º 6 do citado artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 – ‘O pagamento de complementos de pensão é retomado num contexto de reposição do equilíbrio financeiro das empresas do setor público empresarial, após a verificação de três anos consecutivos de resultados líquidos positivos’. 13.ª – Acresce que, nos termos do artigo 105.º, n.º 2, da CRP, na elaboração do Orçamento do Estado há que ter em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato. 14.ª – Ora, esta norma, que está intimamente relacionada com o princípio da proteção da confiança, não pode, também, ser postergada com fundamento em objetivos como os que estão subjacentes ao citado artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013, já que “os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por comporta- mentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal” (cfr. Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004). 15.ª – Assim, a suspensão do pagamento do complemento de pensão dos Trabalhadores reformados filiados no recorrente, operada pela ré, é ilícita, uma vez que a norma legal em que se fundamenta – o artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 – é manifestamente inconstitucional, porquanto viola direitos fundamentais dos trabalhadores e reformados e outros pensionistas dela destinatários, sem respeito dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

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