TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
322 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Quer isto dizer, sem margem para quaisquer dúvidas, que nenhuma especificidade apresenta no plano do controlo da constitucionalidade orgânica a circunstância de nos encontrarmos perante um diploma legal de transposição de diretivas da União Europeia. E, se tal não bastasse, acresce que a norma do n.º 1 do artigo 11.º da diretiva em causa se limita a impor aos Estados-membros a obrigação de estabelecerem, nas respetivas legislações nacionais, um mecanismo de mediação, nenhuma referência fazendo à arbitragem – nem faculta- tiva, nem necessária. Aí se escreve: «Sempre que não seja possível chegar a acordo sobre a autorização de retransmissão de uma emissão de radio- difusão por cabo, os Estados-membros garantirão que todas as partes interessadas possam recorrer a um ou mais mediadores.» Ou seja: a inclusão da arbitragem não resulta do imperativo de transposição da diretiva, tendo antes sido o resultado de uma opção legislativa autónoma do Governo português. 12. Em quarto lugar, há que analisar as eventuais repercussões da aprovação da Lei n.º 83/2001, de 3 de agosto, – entretanto revogada pela Lei n.º 26/2015, de 15 de abril, que deixou de prever a arbitragem – nomeadamente do n.º 3 do seu artigo 28.º, na norma sob juízo. Nesta disposição, em artigo com a epígrafe Arbitragem voluntária, prevê-se que «a comissão exerce a arbitragem obrigatória que estiver prevista na lei.» Na tese sustentada pela recorrida, o vício orgânico de que eventualmente sofresse o n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 333/97 teria sido sanado por aquela outra norma, essa constante de lei da Assembleia da República. Por outras palavras: a referência à arbitragem obrigatória «prevista na lei» da Assembleia da República em 2001 cobriria a disposição governamental não autorizada de 1997 no sentido de que «(…) o litígio resol- ver-se-á por via arbitral, nos termos da lei». Ora, como bem refere o Ministério Público, por um lado, não nos encontramos no âmbito da aprecia- ção parlamentar dos decretos-leis, estabelecido no artigo 169.º da CRP; por outro, não se trata de reprodu- ção por uma lei da Assembleia da República de normas legais anteriores afetadas de inconstitucionalidade orgânica (vide supra) . A principal jurisprudência do Tribunal Constitucional que se pronunciou sobre situações em que a Assembleia da República havia atuado sobre decretos-leis afetados de inconstitucionalidade orgânica enqua- drou-se sempre em contextos de apreciação parlamentar de decretos-leis do Governo ou de aprovação de leis parlamentares que incorporaram normas originais daqueles. E foi exclusivamente nestes contextos que, manifestando embora dúvidas dogmáticas, tal jurisprudência se inclinou no sentido de que as referidas situações, se não eliminavam a inconstitucionalidade orgânica, pelo menos punham em causa a sua invocabilidade futura. Assim, no Acórdão n.º 786/96: «A possibilidade, efetivamente utilizada, de uma discussão na especialidade das normas impugnadas e da sua reafirmação num novo processo legislativo assegura a iniciativa parlamentar e ilustra uma verdadeira vontade legis- lativa. Através do uso de tal faculdade, a não recusa de ratificação não se esgota numa vontade política, assumindose como verdadeira intenção legislativa. Assim, embora num plano lógico-formal seja questionável qualquer superação da inconstitucionalidade orgâ- nica por esta assunção legislativa (porque, na realidade, também a recusa de ratificação apenas faz cessar a vigência do diploma após a sua publicação) e não se possa atribuir a esta vontade legislativa uma eficácia sanatória ou uma supressão retroactiva da inconstitucionalidade, também é verdade que a justificação da invocação da inconstitucio- nalidade orgânica, num plano funcional, não se verifica.»
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=