TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

321 acórdão n.º 102/16  Tal demonstração é fácil: desde logo, em ponto algum da Lei n.º 99/97 se faz qualquer referência ao modo de resolução de eventuais litígios. Depois, porque os litígios em causa não se encontravam anterior- mente submetidos a arbitragem, sendo evidente a inovação. Parece, assim, confirmar-se, a pertinência da acusação de inconstitucionalidade orgânica. 9. E dizemos, “parece”, porque há ainda que ponderar os argumentos aduzidos pelos recorrentes – e con- trariados pela recorrida – para infirmar tal conclusão. E começamos por apreciar o que assenta numa suposta presunção da constitucionalidade das leis. Nas palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros ( cit. , p. 529): «É duvidoso que se deva admitir uma utilização acrítica e indiferenciada de uma pretensa presunção geral e inderrogável de constitucionalidade perante qualquer situação de dúvida de inconstitucionalidade (…) Em qual- quer caso, como princípio indicativo, pode admitir-se que impenda sobre quem pretenda arguir a violação de princípios fundamentais de um Estado de direito material o ónus da respetiva demonstração.» Por outras palavras: não existe uma verdadeira presunção de constitucionalidade das leis – que seria contrária ao comando do artigo 204.º da CRP, sendo, evidentemente, por isso, que o excerto que se trans- creveu integra a anotação a este preceito constitucional. Apenas se poderá admitir uma espécie de “ónus” de demonstração da inconstitucionalidade, uma vez que esta, a inconstitucionalidade, também não se presume. Aquele que invoca a inconstitucionalidade deve explicar por que razão, em seu entender, a matéria em causa integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, daí resultando a necessidade de autorização legislativa ou a incompetência do legislador governamental. 10. Vejamos, em segundo lugar se e em que medida este juízo de inconstitucionalidade sofre o impacto do argumento de índole histórica relativo aos trabalhos preparatórios da lei de autorização legislativa, no sentido de que a Assembleia da República «tinha absoluta consciência de que a matéria constante do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 333/97 não se continha na sua reserva de competência». Este argumento, porém, somente faria algum sentido se constasse do processo, ou pudéssemos aceder, a algum elemento suscetível de clarificar o sentido da “consciência” da Assembleia da República. Não conse- guimos, todavia, alcançar nenhum. 11. Em terceiro lugar, ponderaremos a eventual relevância, no plano da constitucionalidade, da circuns- tância de o Decreto-Lei n.º 333/97 concretizar a transposição de três diretivas da União Europeia, relevando no caso a Diretiva n.º 93/83(CEE). A resposta é simples: não tem relevância alguma. Na verdade, é entendimento doTribunal Constitucional, expresso, designadamente, no Acórdão n.º 75/13: «A circunstância de os decreto-leis em causa procederem a uma mera transposição de ato legislativo da União Europeia que, nessa qualidade, vincula o Estado português não desonera o Governo da República de acautelar o estrito cumprimento das regras constitucionais de distribuição de competência legislativa. Apesar de tal transposição poder ocorrer mediante “lei”, “decreto-lei” ou “decreto legislativo regional” (artigo 112.º, n.º 8, da CRP), tal não significa que haja uma liberdade incondicionada de opção pela forma de ato legislativo, antes se impondo aos órgãos constitucionais com competência legislativa a adoção do ato adequado, segundo as normas constitucionais de dis- tribuição de competência. Tal já foi, aliás, afirmado por este Tribunal, a propósito da transposição de diretivas pelas assembleias legislativas das Regiões (cfr. Acórdão n.º 423/08, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ) . Em suma, a verificação de um dever internacional de adequação do ordenamento jurídico português a normas de fonte europeia não desonera o Governo da República de acatar o sistema constitucional de distribuição de compe- tências legislativas.»

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