TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

316 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O preceito em causa procede, desse modo, à instituição – instituição inovatória – de uma dada instância arbi- tral necessária, cuja competência é unicamente definida em razão da matéria (litígio em matéria de autorização da retransmissão por cabo). A instituição da nova instância arbitral não se reconduz, nem se confunde, com a criação de uma determinada instância em concreto – cada um dos novos casos que a ela passará a estar sujeito é que criará em concreto a sua própria instância (diferentemente do que ocorre no sistema jurisdicional do Estado, em que, em razão da matéria, do território e da hierarquia, se assiste à criação ou à extinção de cada tribunal em concreto). Vem no processo defendida a constitucionalidade da criação da nova instância arbitral pelo n.º 3 do artigo 7.º do DL 333/97, interconexionada com a competência dos tribunais do Estado, à luz de uma visão, dita gradualista, presente na jurisprudência constitucional. A criação da nova instância arbitral pelo n.º 3 do artigo 7.º do DL 333/97, desde logo pela total ausência aí verificada de disciplina especial em matéria de organização e de sindicabilidade das suas decisões, não suscita ques- tões de constitucionalidade quanto ao direito de acesso aos tribunais e ao princípio de tutela jurisdicional efetiva, matéria que não está em causa no recurso. Importa acentuar que a LC 1/89 aditou no final da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição [nas numerações e redações anteriores, sucessivamente, alínea j) do n.º 1 do artigo 167.º e alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º] o segmento “(…), bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos”: passou, então, a ficar claro que a instituição e definição da competência de tribunal arbitral, obrigatório ou voluntário, é matéria da reserva relativa da Assembleia da República. Examinada a génese e o quadro de desenvolvimento da denominada tese ou visão gradualista, verifica-se que ela corresponde a uma etapa histórica da jurisprudência constitucional, de superação da tese de que os tribunais arbi- trais não podiam, sem mais, ser considerados abrangidos pela reserva da competência da Assembleia da Republica estabelecida na alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição [precedentemente, alínea j) do n.º 1 do artigo 167.º; na redação atualmente vigente, alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º]. Tal jurisprudência, ao acolher a possibilidade de divergências conceptuais acerca da natureza dos tribunais arbi- trais e de valorações diversas quanto ao seu relacionamento com os tribunais estaduais, faculta o ingresso daqueles na zona de reserva de competência da Assembleia da República, mas de modo indireto ou reflexo e com conta, peso e medida – “a reserva do artigo 168.º, alínea q) , ainda aí opera indiretamente, na medida em que exige uma intervenção da Assembleia da República sempre que a legislação sobre aqueles tribunais afecte ou contenda com a definição da competência dos tribunais estaduais. Com a definição dessa competência – bem entendido – naquele nível ou grau em que ela entra na reserva parlamentar – e que não será um qualquer” (da declaração de voto junta ao Ac. 230/86, reiteradamente transcrito na jurisprudência considerada). Após a integração expressa das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos na previsão final da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, através da LC 1/89, deixou de ter sustentação na clareza da letra constitucional a tese em causa ( in claribus non fit interpretatio ). A delimitação da reserva de competência da AR passa a ser claramente determinada não por razão de poder judicial (tribunais do Estado, enquanto “órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” – n.º 1 do artigo 202.º da CRP), mas por razão de função judicial (nesta naturalmente englobadas as entidades não jurisdicionais de composição de conflitos). Conclui-se, deste modo, que, o n.º 3 do artigo 7.º do DL 333/97, ao instituir uma nova instância arbitral necessária para resolução de litígios em matéria de autorização da retransmissão por cabo, não coberta pela autori- zação contida na Lei 99/97, sofre de vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. O vício de inconstitucionalidade orgânica que inquina o n.º 3 do artigo 7.º do DL 333/97 não se pode ter por sanado e a norma por convalidada, à luz do disposto no n.º 3 do artigo 28.º da Lei 83/2001, de 3 de agosto (diploma entretanto revogado pelo artigo 62.º da Lei 26/2015, de 14 de abril).

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