TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
31 acórdão n.º 3/16 racionalização da despesa pública, ponderação que tem de tomar em consideração os critérios do princípio da proibição do excesso, permitindo avaliar a eventual justificação da lesão da confiança invocada. Não a justificam, seguramente, os ganhos diferenciais (diferenciais em relação a uma solução que pres- cindisse da ponderação de outros rendimentos do beneficiário e do seu agregado familiar), em termos de poupança da despesa pública que assim se obteria. Considerando o orçamento no seu todo, eles não são, seguramente, de grande monta; acresce que os valores a afetar a esta rubrica irão gradualmente reduzir-se, pela fatal diminuição do número de beneficiários. Acresce que, no ano de 2015, terminado o PAEF, já não são tão evidentes e intensos os constrangimen- tos orçamentais (muito embora subsistam, por força do procedimento de défice excessivo ainda pendente, como se disse já). No quadro da necessária avaliação da proporcionalidade, indispensável para a ponderação de eventual inconstitucionalidade por violação do princípio da confiança, parece poder sustentar-se que, quando con- frontados com o seu contrapólo valorativo, os objetivos de interesse público prosseguidos pela norma que, determinando a aplicação da condição de recursos, impõe a consideração de outros rendimentos do bene- ficiário e do seu agregado familiar – nomeadamente as poupanças para o erário público resultantes da dife- rença de cálculo das referidas subvenções, com e sem consideração de tais rendimentos –, indiciam o caráter excessivo da solução normativa questionada, em face das consequências que ela projeta na esfera jurídica dos ex-titulares de cargos políticos, designadamente a postergação da pessoalidade como característica essencial do seu estatuto jurídico-constitucional. Em função deste elemento do regime introduzido pelo artigo 80.º da Lei OE2015, os beneficiários perdem a garantia de um rendimento pessoal certo, livremente disponível, suscetível de assegurar simulta- neamente a autonomia patrimonial e a continuidade de um nível de vida satisfatório, sem uma degradação excessivamente acentuada. Com isso, a posição de vantagem de que gozavam sofre uma afetação muito intensa, em grau que dificilmente pode ser justificado pelo interesse público motivador da medida. 21. De ponderação mais problemática é a consideração de que estamos perante a tradução legislativa de uma valoração atualmente negativa do benefício, com grande difusão e peso na consciência social, que o legislador é livre de também perfilhar, uma vez que a autorrevisibilidade de soluções anteriormente adotadas é conatural à função legislativa, de acordo com o princípio democrático. Mas as razões que levaram à extinção do benefício não podem fazer olvidar que ele esteve longamente em vigor; sem esquecer que, quando a extinção foi decidida, pela Lei n.º 52-A/2005, se instituiu um regime transitório, que deixou intocada a posição dos ex-titulares de cargos públicos e, no essencial, a dos titulares com mandatos então em curso. O legislador não fica, no presente, rigidamente “preso”, em quaisquer circunstâncias, à opção que tomou no passado, podendo legitimamente prosseguir e reforçar a revisão restritiva do regime destas subvenções, afetando inovatoriamente a posição de quantos eram beneficiários. Mas, se a própria solução sob escrutínio deixa transparecer que essa posição merece alguma tutela – o que terá mesmo obstado à abolição total e universal das subvenções –, o ponto decisivo consiste em saber se ela foi desenhada de forma adequada às exigências constitucionais. Por outras palavras: se o peso das razões que levaram à alteração legislativa justifica o grau de sacrifício que dela resulta para os afetados. A nossa resposta é negativa. Se a evolução legislativa e a mudança das conceções sociais dominantes contrariam decisivamente a formação de uma base de confiança na perpetuação, inalterado, do regime ante- riormente em vigor, é de ter como legítima e digna de proteção a crença – mais mitigada, mas ainda assim merecedora de tutela constitucional – de que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, manteria uma confi- guração da subvenção consentânea com a sua finalidade e a sua natureza originais. 22. Esta conclusão demonstra por que razão não é essencial apurar o carácter transitório ou definitivo – isto é, se as medidas contidas no artigo 80.º da Lei n.º 82-B/2014 restringem a sua aplicação ao ano de
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