TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL seu agregado familiar, excluindo a atribuição da prestação quando este seja superior a 240 vezes o valor do indexante dos apoios sociais. A causa determinante do problema que nos ocupa radica precisamente na circunstância de o legisla- dor ter mandado aplicar às subvenções vitalícias regras concebidas para prestações destinadas a fazer face a situações de carência, em que a condição de recursos faz todo o sentido. Ao determinar a aplicação de tais regras às subvenções vitalícias – que não têm, nem nunca tiveram, tal finalidade –, desvirtuaram-se inevitavelmente estas. Como se disse noutro ponto, estas subvenções, quando foram instituídas, apresentavam quatro carac- terísticas principais: eram vitalícias; apenas estavam condicionadas a um requisito positivo de atribuição; tinham natureza não contributiva; e o seu fundamento único residia na atividade exercida pessoalmente pelo beneficiário, prescindindo de quaisquer condicionantes relativas à situação civil, familiar ou outra, daquele. Ora, a contabilização de outros rendimentos do beneficiário e do seu agregado familiar constitui um elemento inovador no regime jurídico relativo a estas prestações, que as descaracteriza por completo. Com a nova configuração, constante das normas sob escrutínio, a subvenção mensal vitalícia perde a sua natureza de benefício atribuído aos ex-titulares de cargos políticos, em razão dos serviços prestados ao país e tendo em conta as especiais exigências e potenciais consequências, nos percursos de vida de cada um, do desempenho de determinadas funções, e passa a revestir a natureza de prestação não contributiva comum, visando, como as outras, tão-somente evitar que os seus beneficiários sofram uma situação de carência económica. 18. A solução legislativa produz ainda a consequência de gerar para o ex-titular de cargo público uma relação de dependência para com os membros do seu agregado familiar que sejam titulares de rendimen- tos. Esta dependência poderá ser quase total, quando se atinja, no seio do agregado familiar, o limiar de rendimentos que determina a suspensão da subvenção, mas o ex-titular de cargo político não disponha de proventos próprios relevantes. Pode justificadamente entender-se que, para além do significado desqualificador deste aspeto do regime, ele introduz incertezas quanto à manutenção de uma situação patrimonial digna por parte do beneficiário, rompendo-se assim o equilíbrio que a solução, nos traços essenciais anteriormente apreciados, ainda apre- senta. Acresce que assim se geram significativas disparidades, quanto aos montantes das prestações recebidas pelos beneficiários, por razões que nada têm a ver com o anterior exercício do cargo e com o estatuto cons- titucional que lhe corresponde. Nestes precisos termos, impõe-se a conclusão de que o primeiro requisito para uma tutela constitucio- nal com base no princípio da proteção da confiança se há-de ter por verificado: não tanto por aquilo que o legislador fez – na medida em que modificou vários aspetos do regime legal das subvenções –, mas mais por aquilo que não fez – nunca alterando a natureza das subvenções, mesmo quando as eliminou para futuro –, o Estado alimentou as expetativas dos beneficiários de que tal natureza continuaria a caracterizar as subvenções enquanto estas fossem devidas. 19. No que respeita ao segundo requisito – que exige que as expetativas criadas sejam legítimas, fun- dadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional –, parece suficiente recordar que, como se disse já, é a própria CRP que, no seu artigo 117.º, n.º 2, remete para a lei a determinação dos direitos, regalias e imunidades dos titulares e cargos políticos, assim legitimando as expetativas destes. E, quanto ao terceiro requisito – que reclama que o cidadão tenha orientado a sua vida e feito opções decisivas, com base em expetativas de manutenção de um determinado regime jurídico –, também já dis- semos noutro ponto que foi exatamente para isso que as subvenções foram criadas: para criar espaços de escolha para aqueles que abraçavam a causa pública, tranquilizando-os quanto ao seu futuro. 20. Resta a ponderação do contrapólo valorativo, o interesse público que fundamenta as normas sob juízo, nomeadamente a necessidade de adoção de medidas de consolidação orçamental e de redução e
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