TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n. os 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, pode- rão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em Homena- gem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra Editora, 2003, pp. 839 e segs. e, entre outros, os Acórdãos n. os 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/08, 350/2012, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional). O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consi- deração de três vetores essenciais: – a justificação da exigência processual em causa; – a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; – e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cfr., neste sentido, os Acór- dãos n. os 197/07, 277/07 e 332/07). Regressando ao caso dos autos, não restam dúvidas que a exigência processual em causa, de junção aos autos do comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça, encontra justificação, num sistema em que o acesso à justiça não é gratuito e em que o andamento dos processos pressupõe o pagamento de taxas de justiça que são tidas como condição necessária ao impulso processual. Já no que respeita à onerosidade, para as partes, da exigência processual em questão, esta também não se revela excessiva, nem de difícil cumprimento. No entanto, não sendo excessivo o ónus imposto, já o é a consequência resultante do seu não cumpri- mento. Com efeito, a não junção dentro do prazo estabelecido do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça poderá, razoavelmente, ser tida como um impedimento ao prosseguimento dos trâmites de determinado procedimento ou processo (neste caso os trâmites necessários à execução para pagamento de quantia certa, implicando que o BNA não remeta para o tribunal indicado no requerimento de despejo os elementos a que alude o artigo 12.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro). Já a outra consequên- cia prevista – a de tal omissão ser havida como desistência do pedido, no sentido de, em face do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, extinguir o direito que se pretendia fazer valer –, para além de manifestamente desajustada em relação aos fins pretendidos, é também claramente desproporcionada, uma vez que associa à referida omissão uma consequência que, no plano substantivo, implica a perda irreme- diável de um direito, consequência essa que não se mostra justificada com base num critério de necessidade (com efeito, bastaria, a exemplo do que acontece noutros regimes processuais que tal consequência tivesse efeitos apenas no plano da extinção da instância e não já no que respeita à extinção do direito em questão). Assim, a norma do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, na interpretação cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, ao prever, como consequência para a sua inobservância a perda imediata e irremediável do direito de crédito que se pretendia fazer valer, viola o disposto nos n. os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, na medida em que a garantia da via judiciária aí consagrada, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=