TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

286 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um pro- cesso equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Repú- blica Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, Volume I, pp. 415 e 416). Por outro lado, importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no refe- rido artigo 20.º, n.º 4, da Constituição não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva. Centrando agora a atenção na apreciação do caso concreto dos autos, não se vislumbra que a interpre- tação normativa do artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, adotada pela decisão recorrida viole, em qualquer das aludidas dimensões, o direito de ação e o direito a um processo equitativo. Com efeito, conforme já referido, esta ação tem início mediante o impulso processual do Ministério Público e tem em vista a proteção de determinados interesses públicos, aspetos que têm influência na modelação do seu regime. Contudo, con- forme já salientou o Tribunal, quer no Acórdão n.º 94/15, quer no Acórdão n.º 204/15, o regime da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não deixa de permitir a possibilidade de intervenção, quer do empregador, quer do trabalhador (artigo 186.º, n. os 2 e 4, do CPT), garantindo-lhes ainda o direito à apresentação de prova (artigo 186.º-N, n.º 3), o direito ao recurso (artigo 186.º-P), bem como o respeito de outros direitos processuais essenciais, tais como, o direito à igualdade de armas, ao contraditório, à fun- damentação das decisões e a um processo orientado para a justiça material. No caso, a recorrente faz assentar a sua argumentação na circunstância de o alegado trabalhador não poder dispor do direito que o Ministério Público prossegue na ação, na medida em que, em sede de audiên- cia de partes, não lhe é permitido celebrar transação com o alegado empregador no sentido de que entre ambos vigora contrato de prestação de serviços. Ora, conforme se referiu e foi também salientado no citado Acórdão n.º 94/15, o que se pretende com o regime da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é combater a utilização indevida do contrato de prestação de serviço nas situações em que, apesar de determinada relação ser formalmente titulada pelas partes como contrato de prestação de serviços, corresponda, substancialmente, a uma situação de trabalho subordinado, à qual deveria, por isso, ser aplicado o regime laboral – sendo este o interesse público subjacente à atuação do Ministério Público nesta matéria. Nos casos em que o trabalhador não se tenha vinculado a uma relação jurídica de natureza laboral, não se verifica um caso de utilização indevida do contrato de prestação de serviços, visto que, nenhuma das partes (e, concretamente, quem presta a outrem determinada atividade remu- nerada) pretendeu que a relação jurídica em causa seja submetida ao regime do contrato de trabalho. No entanto, o exercício destas faculdades por parte do putativo trabalhador não implica, necessaria- mente, que lhe seja conferido o direito a efetuar uma transação nos termos pretendidos pela recorrente. Tal como acontece noutro tipo de processos em que estão em causa outros direitos e interesses, que não apenas

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