TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
285 acórdão n.º 85/16 partes vigora ou não um contrato de trabalho, a necessidade de recurso a juízo funda-se na existência de conflito de interesses, tal como acontece nas ações desta natureza. Ora, continua a recorrente, se os contraentes da relação jurídica objeto de qualificação nos autos – os únicos em cuja (única) esfera jurídica se projetam os efeitos da ação – estão de acordo quanto à natureza do vínculo jurídico que mantêm, a situação nada tem de dúvida ou incerteza, não se justificando o prossegui- mento da ação. Daí que, sustenta a recorrente, da interpretação feita pelo Tribunal da Relação do Porto do regime jurí- dico da ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho extrai-se que tal mecanismo, por iniciativa de uma entidade pública (a Autoridade para as Condições do Trabalho) e por impulso processual de outra (o Ministério Público), se esgota na qualificação jurídica de vínculo contratual, à revelia das respetivas partes, mas com efeitos jurídicos circunscritos a estas. Acrescenta ainda a recorrente que, de acordo com o acórdão recorrido, a vontade prevalecente na com- posição de interesses subjacente ao litígio pertence a terceiro, que não é parte na relação jurídica material controvertida, em ação que se limita a qualificar a natureza desta, uma vez que, de acordo com a interpreta- ção do artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, feita pelo tribunal recorrido o alegado trabalhador não pode dispor do direito que o Ministério Público prossegue na ação, pelo que, em sede de audiência de partes, não lhe é permitido celebrar transação com o alegado empregador no sentido de que entre ambos vigora contrato de prestação de serviços. Conclui, por isso, a recorrente que da aludida interpretação se extrai que pode vir a ser declarada a exis- tência de contrato de trabalho entre dois sujeitos de Direito Privado, sem que tenha sido assegurada, pelo menos a um deles – o alegado trabalhador –, a possibilidade de defender a sua posição no processo (quando esta seja em sentido diverso do entendimento do Ministério Público), pelo que tal interpretação do artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, põe em causa o direito de ação, bem como o direito a um processo equitativo. A recorrente faz assentar a violação do direito de ação e do direito a um processo equitativo na circuns- tância de o alegado trabalhador não poder defender a sua posição no processo, quando esta seja diversa do entendimento do Ministério Público. Contudo, o que está em causa na interpretação normativa sindicada é tão só a circunstância de não ser possível ao trabalhador transigir na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, no sen- tido de qualificar determinada relação jurídica como sendo um contrato de prestação de serviços (e não um contrato de trabalho), e de ser reconhecido ao Ministério Público o direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio à posição assumida pelos putativos trabalhador e empregador. Efetuada esta delimitação da questão, importa agora apreciar se ocorre a invocada violação do direito de ação e do direito a um processo equitativo. O artigo 20.º da Constituição, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4). A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito nor- mativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevi- das, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94).
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