TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL regimes laborais (…) se encontram valorações materiais específicas, e porque a própria construção da área jurídica em termos sistemáticos é informada por uma lógica que a afasta do direito civil: por um lado, (…) os principais institutos laborais (o contrato de trabalho, a convenção coletiva e a greve) mostram-se irredutíveis aos quadros dogmáticos do direito comum, porque o seu regime jurídico contraria alguns dos princípios civis fundamentais e se orienta por valores concorrentes ou alternativos aos do direito civil, como o da proteção do trabalhador ou o da salvaguarda dos interesses de gestão do empregador, o da igualdade de tratamento entre trabalhadores ou o da autonomia coletiva; por outro lado, a organização do sistema normativo laboral com base numa lógica coletiva e de autossuficiência (provada pela indissociabilidade dos fenómenos laborais individuais e coletivos e pela capacidade de desenvolver recursos específicos de tratamento dos problemas de interpretação e aplicação das normas laborais e da tutela dos interesses e institutos laborais, que asseguram a coerência interna e a sobrevivência do próprio sistema) mostra-se também inspirada por valores específicos, atinentes à proteção dos interesses dos trabalhadores e/ou dos empregadores, à autonomia coletiva ou à paz social» (cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 961-962; cfr. ainda, T ratado de Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, 3.ª edi- ção, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 493 e segs.). Ora, é no contexto destes valores subjacentes ao Direito do Trabalho, e tendo em atenção que, nas relações laborais, embora exista uma liberdade formal por parte do prestador de trabalho como pressuposto do contrato, tal liberdade está, muitas vezes, condicionada pelo empregador, que deve ser entendido o regime jurídico da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a qual visa, como vimos, prevenir as situações de utilização abusiva da figura do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado ou da utilização dos chamados “falsos recibos verdes”, enquanto práticas de fuga ao regime laboral. Assim, a interpretação normativa sindicada, inserida na lógica deste regime, não é limitativa da liber- dade de profissão, consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, concretamente na dimensão em que consagra o direito de escolher o regime de trabalho, uma vez que com ela não se pretende impedir a celebra- ção de contratos de prestação de serviços, nem impor que determinado contrato siga o regime do contrato de trabalho, mas apenas permitir que, verificada pela ACT a existência de indícios de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho, e instaurada, nessa sequência, a ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o prosseguimento dessa ação não se fruste, impedindo que o tribunal possa apurar se está ou não perante um caso de celebração de um falso contrato de prestação de serviços, que visa apenas encobrir um verdadeiro e efetivo contrato de trabalho. Com efeito, embora o trabalhador seja em regra, o principal interessado na qualificação dessa relação jurídica como contrato de trabalho (por ser essa a qualificação que, tendencialmente, lhe confere uma melhor tutela), a sua situação de dependência económica em face da entidade empregadora, que faz com que se sinta normalmente inibido de acionar judicialmente esta última, pode também condicioná-lo no sentido de celebrar tal tipo de transação em juízo no que respeita à qualificação do contrato, uma vez instaurada a ação pelo Ministério Público. Esta circunstância, contudo, em nada condiciona a liberdade de profissão, na referida dimensão, uma vez que, não está em causa, repete-se, impor que o putativo trabalhador fique sujeito a um determinado regime de prestação de atividade laboral, contra a sua vontade, mas apenas averiguar qual a natureza do vín- culo a que ele já se encontra realmente vinculado e que é preexistente à ação e à transação por este celebrada e não homologada. Pelo exposto, a interpretação normativa objeto do presente recurso não viola a liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, concretamente na dimensão em que consagra o direito de escolher o regime de trabalho. 2.2. Da violação do direito de ação e do direito a um processo equitativo Segundo alega a recorrente, sendo a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho uma ação de simples apreciação positiva, uma vez que a sentença nela proferida se limita a declarar que entre as
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