TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

281 acórdão n.º 85/16 Tendo em conta este enquadramento do regime instituído pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, bem como os seus antecedentes legislativos, importa agora apreciar as questões de constitucionalidade em causa nos autos. 2.1. Da violação do princípio da liberdade de escolha do género de trabalho Segundo a recorrente, a interpretação normativa do artigo 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, «no sentido de que o putativo trabalhador não pode dispor do objeto do litígio e, consequentemente, não pode transigir na audiência de partes com o alegado empregador no sentido da existência entre ambos de contrato de prestação de serviços, pondo desta forma termo à ação», infringe o princípio da liberdade de escolha do género de trabalho, tutelada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, na medida em que permite que a prestação oferecida a título profissional seja reconduzida a um modelo contratual típico ( in casu , o contrato de trabalho) por efeito de vontade de ter- ceiro, sem consideração pelos interesses específicos de quem a realiza, nem pelas opções destes. Segundo a recorrente, decorre do acórdão recorrido, que o Tribunal da Relação do Porto considerou ser absolutamente irrelevante a vontade do alegado trabalhador, manifestada na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, por entender que o trabalhador «não pode dispor do direito (…) que o Ministério Público prossegue nesta ação», sustentando por isso que a transação efetuada nos autos entre os alegados trabalhador e empregador, no sentido de que entre ambos vigora contrato de prestação de serviços, não é válida, não podendo ser homologada. Ora, sustenta a recorrente, inserindo-se o contrato de trabalho no domínio da autonomia da vontade e constituindo expressão dessa vontade, da interpretação do regime previsto no artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, efetuada pela decisão recorrida decorre a possibilidade de haver contrato ( in casu , de trabalho) sem vontade de nenhum dos contraentes, em ação judicial cujos efeitos respeitam apenas àqueles e se limitam à declaração da existência de vínculo entre eles. Tal significa, segundo a recorrente, que o Estado poderia interferir na escolha do tipo contratual e obrigar as partes a modificar a relação estabelecida entre elas, assim como poderia impor-lhes que litiguem emTribunal mesmo sem terem qualquer litígio referente a essa relação, não obstante decorrer do direito de escolher livre- mente a profissão ou o género de trabalho, negativamente, a proibição de o Estado vincular quem quer que seja a certo género de trabalho, não tendo o Ministério Público poder para conformar todas as relações jurídicas, designadamente as de natureza privada, com o ordenamento jurídico vigente em cada momento. Conclui, por isso, que a interpretação defendida pelo Tribunal da Relação do Porto no sentido de que o alegado trabalhador não pode dispor do direito em litígio, o qual consiste na qualificação da relação contratual de que é parte como contrato de trabalho, viola o princípio da liberdade de escolha do género de trabalho, na sua vertente da liberdade de exercício, previsto no artigo 47.º da Constituição, porquanto a prestação oferecida a título profissional pode ser reconduzida a modelo contratual típico ( in casu , o contrato de trabalho) por efeito de vontade de terceiro, sem consideração pelos interesses específicos de quem a realiza, nem pelas opções tomadas aquando do respetivo exercício. No Acórdão n.º 94/15, proferido por esta 2.ª secção, a que a recorrente faz referência nas suas alegações, concluiu-se pela não inconstitucionalidade dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i) , e 186.º-K a 186.º-R, todos do CPT, entendendo-se, além do mais, que tal regime não se mostrava desconforme com os princípios da liber- dade de escolha do género de trabalho, com os seguintes fundamentos: «[…] Segundo a decisão recorrida, podendo a «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» con- duzir à modificação da relação jurídica em causa, torna-se possível atribuir a uma pessoa, que preste uma qualquer atividade a outrem, a qualidade jurídica de trabalhador, com sujeição às inerentes obrigações, quando essa pessoa não quer estar sujeita a nenhuma relação de subordinação jurídica ou quando está vinculada a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter uma ou outra relação jurídica de natureza laboral.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=