TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estava associada, contradizendo o regime transitório salvaguardado pelo artigo 8.º da Lei n.º 52-A/2005 (…) e violando os princípios e regras constitucionais que o legislador havia, avisada e coerentemente, acautelado». Ora, como explicou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 188/09: «(…) não há, (...) como se afirmou no já citado Acórdão n.º 287/90, “um direito à não-frustração de expectati- vas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados”. O legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma neces- sária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal.» Decorre da jurisprudência constante e reiterada do Tribunal Constitucional que se deve considerar existente uma situação de confiança constitucionalmente tutelada tão-só nos casos em que se verifiquem cumulativamente três requisitos: (i) que as expetativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes públicos; (ii) que tais expectativas sejam legítimas, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; por último (iii) , que o cidadão tenha orientado a sua vida e feito opções decisivas, precisamente, com base em expectativas de manutenção de um determinado regime jurídico. Deverá ser igualmente tido em conta o indispensável contrapólo valorativo, que, no caso das normas questionadas, se consubstancia no interesse público que as fundamenta – nomeadamente, a necessidade de adoção de medidas de consolidação orçamental e de redução e racionalização da despesa pública. Esta pon- deração, a levar a cabo de acordo com os critérios do princípio da proibição do excesso, permitirá avaliar a eventual justificação da lesão da confiança invocada. 15. Ora, analisando o primeiro destes requisitos, recorda-se que a Lei n.º 4/85, que, como se disse, ori- ginalmente instituiu a subvenção mensal vitalícia dos titulares de cargos políticos, teve seis versões distintas entre 1985 e 2005, tendo sido posteriormente alterada, também, e como antes se explicou, por sucessivas leis do Orçamento do Estado, entre as quais se destaca a Lei do OE2014, e pelas normas ora questionadas. A maior parte dessas alterações inserem-se numa trajetória crescentemente restritiva, impondo-se, a cada versão do texto legal, exigências adicionais para o reconhecimento do direito à subvenção e condições mais rigorosas para o seu recebimento efetivo. Foi o que sucedeu com a exigência de que as funções ou cargos tivessem sido exercidos após 25 de abril de 1974, com o aumento do número mínimo de anos de exercício para doze e com a introdução de um limite para a acumulação da subvenção com a pensão de aposentação ou de reforma. Estas mudanças sucessivas parecem refletir uma transformação gradual da perceção da comunidade relativamente à justificação das subvenções referidas, acompanhando a consolidação do processo de demo- cratização do País e espelhando as mudanças de perspetiva dos titulares de cargos políticos quanto a estes e ao respetivo modo de exercício. Na primeira década da democracia, vários deputados tinham um passado profissional instável e descon- tos insuficientes para, no contexto do ainda incipiente sistema de segurança social, verem garantida uma vida digna após o exercício do cargo. Além disso, muitos deputados exerciam o seu múnus em regime de exclusi- vidade, sendo compreensível que o legislador lhes tenha querido assegurar a manutenção de um determinado estatuto socioeconómico (vide supra) . Com a estabilização do regime democrático e das suas instituições e a consolidação do sistema de segu- rança social, de par com uma série de garantias inerentes ao exercício de cargos políticos ou equiparados (vejam-se, a título de exemplo, as garantias em matéria de trabalho e benefício sociais previstas no artigo 19.º do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de março, na redação em vigor após a Lei n.º 16/2009, de 1 de abril), entendeu-se, num primeiro momento, restringir os requisitos da atribuição da subvenção vitalícia e, mais tarde, eliminá-la, por completo, para futuro.
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