TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016
278 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «A precariedade atinge hoje cerca de 2 milhões de trabalhadores em Portugal e o seu crescimento ameaça todos os outros. Com a situação atual, defrauda-se o presente, insulta-se o passado e hipoteca-se a futuro. Des- perdiçam-se as aspirações de toda uma geração de novos trabalhadores, que não pode prosperar. Desperdiçam- -se décadas de esforço, investimento e dedicação das gerações anteriores, também elas cada vez mais afetadas pelo desemprego e pela precariedade. Desperdiçam-se os recursos e competências, retiram-se esperanças e direitos e, portanto, uma perspetiva de futuro. É necessário desencadear uma mudança qualitativa do país. É urgente terminar com a situação precária para a qual estão a ser arrastados os trabalhadores, que legitimamente aspiram a um futuro digno com direitos em todas as áreas da vida. Assim, a presente “Lei Contra a Precariedade” introduz mecanismos legais de modo a evitar a perpetuação das formas atípicas e injustas de trabalho, incidindo sobre três vetores fundamentais da degradação das rela- ções laborais com prejuízo claro para o lado do trabalhador: os falsos recibos verdes, a contratação a prazo e a trabalho temporário.» No decurso do processo legislativo, o referido Projeto de Lei n.º 142/XII baixou à Comissão de Segurança Social e Trabalho, sem votação, por um prazo de 30 dias, após o que esta Comissão apresentou um texto de subs- tituição que, tendo merecido aprovação, veio dar origem à Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto. Este diploma legislativo deve ser enquadrado num âmbito mais vasto, inserindo-se num conjunto de outras intervenções legislativas anteriores orientadas no sentido de combater a utilização indevida da figura do contrato de prestação de serviços em relação de trabalho subordinado e a consequente precaridade laboral daí decorrente. Importa, por isso, proceder a uma breve análise desta problemática. Como é sabido, a qualificação de determinada relação jurídica como sendo um contrato de trabalho implica a aplicação a essa relação de um determinado regime jurídico, não só no plano laboral, mas também, por exemplo, para efeitos contributivos. São frequentes, por isso, como forma de impedir a aplicação destas regras, as práticas de fuga ao regime laboral. Tais práticas traduzem-se, muitas vezes, em titular expressamente o contrato em causa como contrato de presta- ção de serviços, embora, na sua execução prática, esse contrato tenha as características de um contrato de trabalho, designadamente, pelo facto de o trabalhador estar colocado perante o empregador numa posição de subordinação. Noutros casos, em que o contrato não é reduzido a escrito, a contratação do trabalhador é efetuada em regime de trabalho independente, com a emissão do correspondente recibo pelo trabalhador, quando na verdade este se encontra a desempenhar as duas funções em regime de subordinação (é a questão dos denominados “falsos inde- pendentes” ou falsos “recibos verdes”). Este recurso indevido à figura da prestação de serviços em situação de existência de uma verdadeira relação de trabalho subordinado tem diversas implicações negativas laterais, entre as quais, o prejuízo que as mesmas acarre- tam para a sustentabilidade dos sistemas de pensões em face da entrada tardia dos jovens no mercado de trabalho propriamente dito e pela menor entrada de contribuições que o trabalho dissimulado (e também o trabalho não declarado) representam, para além de implicar uma concorrência desleal entre empresas (sobre esta matéria e, em geral, sobre o regime da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, cfr. Pedro Petrucci de Frei- tas, Da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho: breves comentário, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73 – Vol. IV – Out./Dez – 2013, pp. 1423 e segs.). Por outro lado, embora o trabalhador seja, por regra, o principal interessado na qualificação dessa relação jurí- dica como contrato de trabalho (por ser essa a qualificação que, tendencialmente, lhe confere uma melhor tutela), a sua situação de dependência económica em face da entidade empregadora faz com que se sinta normalmente inibido de acionar judicialmente esta última entidade no sentido de ser reconhecida a natureza laboral da referida relação, o que torna ainda mais difícil a prova dos elementos característicos de um contrato de trabalho, designa- damente, da existência de uma relação de subordinação. Face a este conjunto de problemas e dificuldades, não é de agora a preocupação do legislador em combater estas práticas de evasão à tutela laboral, tendo vindo a adotar diversas medidas com esse objetivo.
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