TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 95.º Volume \ 2016

273 acórdão n.º 85/16 26.º Porquanto a prestação oferecida a título profissional pode ser reconduzida a modelo contratual típico ( in casu , o contrato de trabalho) por efeito de vontade de terceiro, sem consideração pelos interesses específicos de quem a realiza, nem pelas opções tomadas aquando do respetivo exercício. 27.º A CRP reconhece a todos os cidadãos o direito de ação, a exercer mediante o acesso a processo equitativo, orientado para a satisfação da exigência básica de tutela judicial efetiva. 28.º A exigência de um processo equitativo impõe que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses e paridade entre as partes. 29.º O princípio do processo equitativo tem sido densificado através de outros princípios, como o direito à igualdade de armas ou o direito à igualdade de posições no processo, bem como o direito de defesa e o direito ao contraditório. 30.º Os tribunais apenas são chamados a resolver conflitos de interesses, pelo que a ação especial de reconhe- cimento da existência de contrato de trabalho deveria supor a existência do interesse específico em clarificar ou esclarecer situação jurídica controvertida. 31.º Se os contraentes da relação jurídica objeto de qualificação nos autos – os únicos em cuja (única) esfera jurídica se projetam os efeitos da ação – estão de acordo quanto à natureza do vínculo jurídico que mantêm, a situação nada tem de dúvida ou incerteza. 32.º A possibilidade conferida a terceiro de, sem interesse dos contraentes, nem conflito entre eles, convocar a tutela jurisdicional do Estado para qualificar como contrato de trabalho o vínculo que estes mantêm, infringe o direito de ação e o direito a um processo equitativo, previstos no artigo 20.º da CRP. 33.º Tais princípios são igualmente violados pela circunstância de não ser assegurado ao putativo trabalhador efetivo direito de defesa, ao considerar-se que o mesmo não pode dispor do direito objeto do litígio, assumindo posição distinta da do Ministério Público. 34.º A diferença de tratamento processual entre as situações idênticas de putativo trabalhador abrangido por ação inspetiva da Autoridade para as Condições do Trabalho e outro que o não seja ofende o princípio constitu- cional da igualdade de tratamento. 35.º Atendendo à interpretação do Tribunal da Relação do Porto, a primeira situação desencadeará oficio- samente um meio de tutela jurisdicional, em que a posição do Ministério Público prevalece sobre a vontade das partes na relação material controvertida, sendo, por isso, irrelevante qualquer manifestação de vontade destas no sentido da existência de vínculo de prestação de serviços. 36.º Nesse caso, ainda que nenhuma das partes na relação contratual pretenda manter contrato de trabalho, pode vir a ser declarada a existência entre ambos de vínculo dessa natureza, por via de ação proposta por terceiro mas cujos (únicos) efeitos se projetam na esfera jurídica daquelas. 37.º Em circunstâncias exatamente idênticas, um prestador de serviço cuja situação não tenha sido objeto de intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, não verá a sua situação contratual modificada por via da intervenção de terceiro, alheio ao contrato, sendo esta apenas suscetível de alteração caso o mesmo o pretenda (i.e., caso proponha ação declarativa, sob processo comum). 38.º No âmbito de ação com processo comum instaurada pelo putativo trabalhador, na qual é formulado pedido de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, pode este dispor livremente do objeto do litígio, desistindo do pedido ou transigindo com o alegado empregador, inclusivamente no sentido da existência de con- trato de prestação de serviços. 39.º Em ação especial que tem objeto idêntico, e de acordo com a interpretação do tribunal recorrido, não é permitido ao putativo trabalhador pôr termo à ação, mediante desistência do pedido ou transação com o alegado empregador na qual se reconheça a existência de contrato de prestação de serviços. 40.º Apesar de a configuração das ações ser diferente, designadamente no que respeita ao impulso processual, não se identifica qualquer motivo, adequado e proporcional, que justifique a alegada distinção de tratamento da mesma situação. 41.º A diferença de tratamento normativo de duas situações idênticas, que reclamam da lei a mesma prote- ção, constitui resultado ofensivo do princípio da igualdade de tratamento (CRP, artigo 13.º/1), determinando a

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